Desidério apresenta-se com seu lindo nome, que alude à etimologia e ao enigma próprios ao substantivo desejo e ao ato de desejar. A evocação “Desejo, mostra sua cara!” confirma que há uma ausência e que desejamos aquilo que nos falta. Mas, se não vemos nem sabemos o que é a cara do desejo, sabemos, através do ensino de Lacan, das máscaras que o revestem.
Para ficar dentro dos limites deste escrito, recorto uma máscara apresentada por Lacan em seu ensino, considerado como a primeira tópica da fantasia.
Lacan deu muita importância ao tema, para o qual foi consagrado o capítulo XVIII do Seminário 5: As máscaras do sintoma. Nele, a máscara é considerada a palavra mais exata para definir a vinculação do desejo a alguma coisa, que o recobre e que, por conseguinte, traz à clínica psicanalítica seu caráter problemático.
A clínica, efetivamente, lida com a forma inapreensível e fugidia do desejo para cada sujeito e, portanto, com suas complexidades e seus impasses: o fato mesmo de desejar traz consigo o movimento em contra ao desejo, a defesa. Esta, por assim dizer, forma parte dele mesmo. Lacan afirmou que há a excentricidade do desejo em relação a qualquer satisfação. Ela nos permite compreender o que é, em geral, sua profunda afinidade com a dor. Em última instância, aquilo com o que o desejo confina, não mais em suas formas desenvolvidas, mascaradas, porém, em sua forma pura e simples, é a dor de existir.[1]
Para recobrir e colocar uma tela entre ele e essa dor da existência, o sujeito mobiliza a fantasia, permitindo a ela que aí encontre sua função de proteção do real. Há uma regulação do gozo pela fantasia. Caso esta vacile, perde sua consistência. Há uma intrusão de gozo além de seu limiar, advindo o risco de que a presença da dor retorne ao sujeito.
Como se pode pensar, então, este recobrimento do real pela fantasia?
Numa redução simplificadora e usando a metáfora mais conhecida: a fantasia é uma janela e enquadra a realidade externa. Ela exclui tudo o que está fora do campo demarcado. Ou seja, ela dá forma e estrutura à realidade do mundo e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, é por seu intermédio, na condição de “instrumento”, que o sujeito goza dos objetos do mundo.
Miller se refere à instrumentalização da fantasia ao se reportar ao desamparo do sujeito frente à opacidade do desejo do Outro[2] e nos esclarece a expressão “a experiência do desejo”, usada uma única vez por Lacan.[3] Essa experiência do desejo dá conta do que sucede com o sujeito perante o desejo do Outro. Este apresenta não apenas uma opacidade, mas também uma falta estrutural de significante, deixando o sujeito em desamparo.
Lacan utiliza o termo freudiano Hilflosigkeit para indicar a angústia do sujeito. Essa falta de recurso tem valor traumático, que adquire o valor de drama do sujeito, ao qual o sintoma neurótico responde e é verificável na experiência analítica.