Do que se trata o objeto causa de desejo? Esta foi uma das questões que se decantaram na primeira preparatória da Jornada. Neste escrito, pretendo circunscrever algumas ancoragens para cernir tal questão. Para começar, destaco que abordar a causa de desejo requer, sobretudo, interrogar o que Lacan designou como objeto a e como sua função implica uma báscula entre angústia e desejo. Na lição VII do Seminário 10, trabalhada por Elisa Alvarenga (2022), Lacan situa que a manifestação mais flagrante do objeto a é a angústia. Neste momento, o objeto a é formulado como aquilo que escapa, como resíduo da operação de divisão do sujeito em relação à entrada na linguagem, objeto que não é circunscrito à imaginarização e à simbolização. Com essa proposição, Lacan demarca que a angústia não é sem objeto, sendo este propriamente o objeto a. Quando situado na fantasia ($◊a), o objeto a funciona como causa de desejo e se articula à função da falta. Porém, quando algo como o Heimlich/Unheimlich aparece no lugar do a como falta, a angústia irrompe.
A articulação entre angústia e desejo do Outro é um dos pontos distintivos de Lacan. Por essa via, ele assinala que o campo da angústia é enquadrado, isto é, ela surge dos impasses quanto ao desejo do Outro, que é estruturado como um enigma. Quando o desejo do Outro é radicalmente opaco, de maneira a impedir uma organização da posição do sujeito e do Outro na fantasia, ou quando o Outro não comparece com uma falta, a angústia emerge. Há angústia quando a questão “O que queres?” não pode ser colocada ou respondida de alguma maneira. Assim, na angústia, falta a falta e obtura-se a divisão subjetiva, ao passo que, quando funciona como causa de desejo, o objeto a opera atrás.
Nessa perspectiva, o objeto a opera enquanto consistência lógica, resto de uma operação de divisão do sujeito, e deixa um furo que permite o relançamento do desejo. O desejo não é desejo de algo, não pode ser apreendido ou localizado. Distingue-se, portanto, da demanda, que funciona como um apelo que o sujeito dirige ao Outro, a fim de tentar obter o objeto que supostamente o satisfaria. Nas voltas da demanda, algo fracassa e engendra um furo, o qual relança um movimento e permite que o desejo deslize metonimicamente. Nessa direção, o desejo surge enquanto resto do relançamento da demanda, como podemos ver no toro a seguir:
As voltas da demanda articulam a cadeia significante através da associação livre. Sob essa volta, engendra-se um furo central onde se situa o objeto a enquanto causa de desejo. No toro acima, podemos ver que, após repetir vinte vezes o movimento da demanda, não teremos vinte voltas, mas vinte e uma, visto que há uma volta não contada em torno desse furo central (Arenas, 2019). Sendo assim, o desejo é a hiância que impele uma busca, o que faz ecoar o argumento de Marcela Antelo: “o desejo nasce da fenda que se abre entre o prazer que se busca e o prazer que se encontra. Só na abertura, na intermitência, no intervalo, no corte, na pergunta, o desejo mostra sua cara, contrariamente ao gozo que trabalha no contínuo e no silêncio ”.
Referências
Alvarenga, E. Uma picada na selva: o objeto causa. In: Alvarenga, E. Entre o gozo e o desejo: uma leitura do seminário A angústia de Jacques Lacan. Belo Horizonte: Scriptum, 2022.
Arenas, G. Ombligos: desbricolaje del padre. Olivos: Grama Ediciones, 2019.
Lacan, J. O seminário, livro 10: A angústia. (1962-1933) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
[1] Jogo com o verso “Eu sou uma interrogação vagando com pressa”, da poeta baiana Daniela Galdino, no poema “Inúmera”.