Camilla Costa (Associada ao IPB)
“O psicanalista não tem vocação de se fazer o guardião da ordem antiga, o cavaleiro de uma causa perdida. Ele também não pode crer nos amanhãs que cantam: a via do desejo não é uma partida de prazer. Portanto, ele interpreta. Se ele deve escolher, a escolha é forçada. Pois todo voltar para trás é impossível” (Miller, 2013, p. 5).
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Todo mundo deseja?!
Assim responde Miller (2013) quando questionado sobre o elogio à perversão em Lacan no Seminário 6, O desejo e sua interpretação. O desejo, quando tomado como substantivo, convoca o equívoco, uma vez que sua obviedade falseia aparecer no verbo [desejar]. Desejar algo não é em si o desejo, nem responde o que é o desejo, ao contrário, dissipa o que parecia possível. No Seminário 6, Lacan aponta que o desejo perturba a percepção do objeto, sendo a tormenta do homem, aquilo do qual não se apropria e não aniquila.
A travessa dinâmica do desejo se instala como circuito da operação dos significantes, apontando sempre para a hiância, a falta e não o objeto da demanda. Um circuito vivo, no qual o analista encarna a fissura, a causa para que o desejo dê as caras. Numa época onde o predomínio do discurso capitalista se efetiva, o desejo opera com ainda maior litígio. As ilusões das promessas de mercado precisam ser indicadores aos analistas de sua época, para que assim possam balançar a barra que separa e articula os significantes.
O desejo é um andarilho quando visto como este que caminha por entre as épocas, instalado no humano como causa de sujeito. Sim, o desejo é o articulador permanentemente inconstante entre o sujeito e o Outro, alojando, ao mesmo tempo, ambos pela via da função da linguagem. Se a coisa freudiana é o desejo, como aponta Lacan no Seminário 6, o desejo nem caminha para o céu nem para o inferno, mas indica um caminho que suporte a própria tormenta.