“Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”.
Esse famoso aforismo lacaniano encontra-se no Seminário 10[1], dedicado ao tema da angústia. Isso já nos permite entrever certa relação entre angústia, amor, gozo e desejo.
Miller[2] destaca que a escolha do parceiro amoroso não se dá ao acaso, mas a partir de determinadas condições. Para amar alguém é preciso identificar no amado um traço do objeto perdido para cada um. Nesse sentido, a pessoa amada será sempre um substituto desse objeto que se perdeu para o amante, o que nos permite compreender que a satisfação nunca será sempre completa. É impossível retomar essa parte que se perdeu de nós mesmos para fazermos um, restando-nos apenas a possibilidade de nos relacionarmos com esse objeto substituto que trará uma satisfação sempre parcial. Essa questão, já elaborada desde Freud, antecipa o famoso aforismo lacaniano “Não há relação sexual”.
Amor e gozo, portanto, encontram-se diretamente relacionados na medida em que a escolha amorosa se dá a partir do objeto perdido, o objeto a, resultado da interdição de gozo. As coordenadas para o amor, portanto, são traçadas pelo gozo; por isso, a escolha do parceiro é sempre inconsciente, narcísica e articulada a uma experiência de satisfação, não de bem-estar necessariamente. Neste ponto, já podemos depreender que o amor só entra em cena articulado à castração. Buscamos o outro como objeto amoroso na medida em que algo nos falta. A angústia entra aí como motor, impulsionando-nos nessa aventura chamada relação amorosa, que nada tem de cômoda. “Propor-me como desejante, eron, é propor-me como falta de a, e é por essa via que abro a porta para o gozo do meu ser.”[3]
É aí que o amor entra em cena na sua condição de i (a), imagem que vela o objeto a na sua condição de dejeto. Essa imagem enganosa, que outorga todo esplendor do imaginário, é o que permite ao amante se apaixonar pela imagem do ser amado, ocultando dessa forma o que ele traz consigo do objeto a, da sua faceta de gozo.
Se o gozo é sempre autoerótico, no sentido de que se goza no próprio corpo, o amor é o que possibilita que este gozo possa entrar na dimensão do Outro, transformando-se em desejo do Outro. Daí a frase “Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”.