Lacan, desde sempre, tentava nos causar com uma pergunta: “Objeto, do que se trata? Qual sua função na clínica?” No início do seu ensino, ele nos apresenta e dá seu estatuto como causa de desejo, para, no Seminário 16, formalizar o objeto a como mais-de-gozar. Orienta, assim, a nossa prática pelo objeto a.
Nessa via, tentamos, primeiramente, responder essas perguntas pela clínica contemporânea, em que a hegemonia do discurso científico introduz modificações nas formas tradicionais de visão do mundo decorrentes da aceleração e da pluralidade dos saberes científicos. Nesse cenário, o discurso capitalista se impõe e subsume o discurso da ciência, trazendo um paradoxo, pois se, por um lado, ele promove o sujeito a uma suposta posição de mestre do saber, por outro, mortifica-o ao apagar a sua singularidade na estrutura. Nesse cenário, o desejo não mostra sua cara! Em outras palavras, ao contrário do esperado, a autonomia frente às tradições revela um mal-estar ao invés de trazer satisfação. Isso se evidencia na tentativa de apreender compulsivamente o objeto, visando tocar a causa de desejo. Tentativa vã, pois no discurso capitalista a acumulação de objetos é precária.
A promessa do discurso capitalista, de que a presença do objeto sempre renovada é um meio de tamponar a falta, suspende a castração simbólica, e, diante do excesso, é o sujeito que se apaga, é objetificado, transformado em mercadoria consumível. Nesse cenário, uma questão se impõe: como pensar que é o sujeito quem age com o seu desejo se o discurso é comandado pelo objeto, ou seja, causado por um objeto que exerce o controle? Não há como dosar a presença do objeto, que seria por definição inexistente. Entretanto, é paradoxal falar de um excesso de objeto uma vez que o conceito de objeto vale por sua ausência e se refere a um objeto que o sujeito, para se constituir como tal, dele se separou. Objeto causa de desejo!
Seus substitutos são, nesse contexto, bem materiais, o que nos leva a dizer que a via de acesso ao objeto é o próprio objeto. O sujeito, longe de indagar acerca de sua causa, reproduz entusiasticamente a fascinação por um gozo sem limites, indicando que a causalidade se reduz a uma certeza corporal. A ampliação dos órgãos pelos objetos tecnológicos, os gadgets, necessita para seu funcionamento de um corpo, e quando essa ampliação falha, manifesta-se o mal-estar, pois se impõe aí uma exigência de gozo radical. Dizendo de outra maneira, com o aparelho pulsional o corpo goza de si mesmo e goza graças a um objeto.
Nesse panorama capitalista, que exige um resultado, a direção de Lacan é: ninguém sabe o sentido do que faz. Somente, no só depois, o alcançamos. Então, questiona: afinal, para que serve toda essa produção? Ele responde que, se podemos dizer que o capitalismo serve para alguma coisa, são as coisas que ele faz é que não servem para nada. Os gadgets!!! Dessa maneira, Lacan alerta que na experiência é preciso sabermos manejar os pontos vivos, aqueles não recobertos pelos significantes, os que causam o desejo.
É o que acontece na sessão analítica ao formularmos a regra fundamental: fale! A associação livre desloca o investimento libidinal, operando não apenas na dimensão semântica, metafórica do significante, que aponta ao desejo, mas também em sua dimensão metonímica, de satisfação, que denominamos gozo.
Vale ressaltar que Lacan aborda duas vertentes do objeto a: como vazio, diz respeito ao objeto perdido, lugar por onde se inscreve a via do desejo; como substância de gozo, refere-se aos pedaços do corpo, aos objetos pulsionais que a-parecem em variáveis formas, que condensam gozo. Observamos, assim, na experiência, duas faces do objeto: o analista como Sujeito suposto Saber, como semblante de objeto causa de desejo, e a dessuposição de saber ao analista, que se presta a ocupar o lugar de objeto dejeto, mais-de-gozar.
A sessão analítica, enquanto presentifica a economia de gozo, demonstra que o S(Ⱥ), o significante pelo qual aparece a incompletude, se produz como lugar do Outro, esvaziado de gozo. Enfim, estrutura-se pela incidência do significante, o que introduz nele a falta, a causa de desejo, mas introduz também a inconsistência, que aponta para a consistência lógica do objeto a como objeto de gozo.
A clínica nos ensina que o sujeito busca e positiva o objeto como aquilo que se destaca do corpo, como dejetos, ou o recorta sob o corpo feminino. Quer dizer, mesmo quando os objetos supostamente são apenas para suprir uma necessidade, são investidos pelo sujeito como causa de desejo. Podemos afirmar, portanto, que as relações com o outro ou com gadgets são sexualizadas, marcadas pela pulsão na tentativa de reencontrar o objeto perdido, elevando-o a categoria de seu (Ersatz) substituto. Assim, o desejo se transforma em um desejo abrandado pelo mais-de-gozar, evidenciando que, ao se reproduzir objetos de gozo, que, finalmente, são objetos de desejo, menos o desejo mostra sua cara! Assim, a impossibilidade de nomear o objeto de desejo constitui para cada sujeito a própria causa de seu desejo. É importante situarmos que o objeto a como lugar de captura de gozo se apresenta tanto como o que vem tamponar, dar sentido, quanto como o que faz furo[2], evidenciando um gozo em jogo no ato de desejar.
É nesse sentido que Lacan enfatiza que o psicanalista deve estar à altura de sua época, para dar conta da importância do papel nela exercido pelo objeto a. Nesse árduo panorama, devemos praticar uma psicanálise que deve se adaptar ao que sempre escapa, pois o objeto, ao se encontrar fora da trama da fantasia, aporta uma indiferença em relação a si, trazendo a ilimitação do desejo e o Goza! como sintoma da nossa época.
Se cremos com Miller, que só se deseja por desconhecer onde se goza[3], só resta apostar na análise para o desejo a-parecer, mostrar a sua cara!