
Fabián Naparstek (EOL/AMP)[1]
Gabriela Grinbaum: Como você poderia explicar o que é o desejo?
Fabián Naparstek: Justamente ontem comentei um caso clínico na Faculdade: um homem tinha uma adicção ao sexo. Ele dizia que não podia deixar de ser infiel, que tinha uma voracidade que lhe era impossível parar e que estava com todas as mulheres possíveis. O que eu marcava ali era que sua infidelidade se devia ao fato de que estava casado. Ele não tinha um desfrute pela infidelidade, mas não podia parar de fazer sexo com qualquer mulher. Tratava-se de uma psicose. Então, o que tratei de contar aos alunos é que justamente isso não era o desejo. Não era o desejo por uma mulher, e que, em todo caso, depois o repetiria com outra mulher seguindo o mesmo traço. Na realidade, era a compulsão o que não o deixava frear. Tratava de explicar-lhes que o desejo sempre tem uma particularidade, um traço, sempre aponta a algo. Algo que terá a ver com a infância de cada um, como diz Freud, com a condição erótica, e que determina sempre algo muito localizado. O desejo sempre é algo muito localizado, e o que esse homem propunha é que não havia nada localizado, era uma deslocalização total, uma coisa que não podia parar e que padecia. Não o contava como um triunfo masculino. Parece-me que é um bom exemplo para quando Jacques-Alain Miller fala sobre os desbussolados e para pensar a época atual. Há algo do desejo que se perdeu, porque o desejo é uma bússola, o desejo orienta a gente. Trabalhei isto em relação à fantasia perversa, tomando-o de Lacan, quando propõe que dita fantasia é a aversão masculina de enfrentar ao Outro sexo. Outro dos exemplos que mencionei é um caso em que a pessoa passava por todas as alternativas que encontrava ao alcance das mãos: travestis, transexuais, homossexuais e heterossexuais. E dizia: “É como se não soubesse quanto calço”, “Vou comprar sapatos e eu sei o sapato que eu gosto. Eu sei o que é uma mulher linda, um homem lindo, uma travesti linda; o que não sei é quanto calço, é um problema de fôrma”. Efetivamente, isso é o desejo, é a fôrma que a um o orienta. O mesmo acontece com o príncipe e Cinderela: ele sabe qual é sua fôrma, é uma figura orientada na vida, vai com o sapato e quando encaixa em alguma, é essa. O desejo faz com que alguém saiba o que vai buscar.
Débora Rabinovich: Nesta época, as pessoas perderam a fôrma?
Naparstek: Sim.
G.: E por que se perdeu?
Naparstek: Aí está a queda do Nome-do-Pai, toda a autoridade, os ideais. Há uma indicação que tomo de Lacan, que está no “Breve discurso a los psiquiatras”. Ali ele compara a psicose com a época, fala sobre a famosa frase do objeto a no bolso, mas antes disso diz: “os objetos a soltos, isolados, se metem por todas as partes, se metem pelas orelhas, pelos olhos”. Parece-me que há que sublinhar o “isolados e soltos”, porque a época solta o objeto a do sujeito, que é uma versão para pensar o objeto a no zênite da civilização. Me dá a impressão de que Jacques-Alain Miller tem duas versões disso: a primeira é que aumenta a perversão. E mais, diz que aumenta a perversão nas mulheres, e que elas a enfrentam desde o lado masculino, tomando aos homens como objeto. A segunda versão é que se desprende o objeto do sujeito, e então os objetos a soltos se convertem em frases soltas, vozes soltas. É o que acontece, por exemplo, quando alguém entra em um bar: as câmeras estão nos olhando por todos os lados. Há dez televisores presos, são dez vozes soando. Parece-me que há um desprendimento do objeto a, não se faz o laço da fantasia e isso é algo bem desta época.
R.: Quando você diz “não faz o laço da fantasia”, parece que o objeto a não está aí onde deve estar, na fórmula da fantasia. Parece que se pode dizer que o objeto foi passear.
Naparstek: Foi passear, e qualquer objeto pode se alojar neste lugar. O que leva à fantasia é a fixação ao objeto. Um sujeito se liga a um objeto de maneira muito precisa, e quando ele diz que estão soltos e isolados, quer dizer que qualquer coisa pode ir a esse lugar. Quando escrevi a tese sobre as toxicomanias, propus que a época atual vai na direção contrária à perversão, porque a perversão é uma orientação, que é o contrário ao “vale-tudo” de hoje.
G.: Claro, porque a perversão tem o objeto muito preciso.
R.: É sair da perversão polimorfa para ter uma perversão orientada.
Naparstek: Sim, claro. O que Freud chama polimorfo é na diacronia da vida de uma pessoa; uma vez instalada, para cada um, se converte em unimorfo.
R.: Por isso, seria como ficar no polimorfo.
Naparstek: Polimorfo no sentido de variar as formas.
G.: Efetivamente. Concordamos com o que diz, e por isso queremos tomar esse tema, o desejo, para Registros. Quando nós nos aproximamos, já faz bastante tempo, à psicanálise lacaniana, soava muito forte a frase do Seminário 7, A ética da psicanálise: “A única coisa da qual se pode [o sujeito] ser culpado é de ter cedido de seu desejo”[2]. Tinha-se a ideia de que a orientação lacaniana era uma clínica do desejo, agora falamos da clínica do singular. Era uma clínica na qual se tinha que apontar ao sujeito que assuma o seu desejo. Era o desejo que estava no zênite da questão. Hoje, observo que o desejo, neste nível, está demodé, ninguém fala disso quando apresentamos um caso, quando os AE testemunham.
Naparstek: Sim, acredito que tem a ver com a época e também com a queda que houve quanto à concepção da fantasia no ensino de Lacan, ou, precisamente, na comunidade analítica. Porque começar a falar do sinthome colocou em questão o desejo como tal. De fato, um dos problemas que temos hoje é como pensamos o desejo do analista a partir do último ensino de Lacan. Com a lógica da fantasia, e mais além das variações ao longo do ensino, se aprecia muito bem o desejo do analista, e, a meu ver, tem uma lógica impecável.
R.: Como você pensa a articulação entre a fantasia e o desejo do analista?
Naparstek: Partimos de que o desejo está sustentado pela fantasia e que para ser analista tem que atravessar a fantasia – entre outras coisas. Mas, para quê tem que a atravessar? Para poder chegar ao lugar do objeto da fantasia de cada analisando. Ou seja, que não se receba os pacientes desde a sua própria fantasia. Então, qual é o desejo que sustenta isso? Eu entendo que Lacan diz que o desejo do analista é um desejo vazio ou advindo do próprio desejo fantasmático – me parece que a lógica é essa. E se entende muito bem por que o fim de análise transforma alguém que era analisando em analista – isto independentemente do exercício como analista. Analista é aquele que pode suportar abster-se da sua própria fantasia e encarnar o objeto para a fantasia de cada analisando. Senão, o que se faz é aceitar com a própria fantasia, ou rechaçar com a própria fantasia; e em nenhum dos dois casos há análise. Acontecerá outra coisa, mas não análise. Isso, ao meu gosto, tem uma lógica impecável, pensada desde a fantasia. O que acontece com o desejo do analista no último ensino, no sinthome? É algo que Jacques-Alain Miller vem pondo em questão há um tempo: como pensar isso com o sinthome?
A outra questão, a do desejo no zênite, concordo com o que você diz, porque naquela época a singularidade era a do desejo de cada um. Em Lacan, o singular não fica no mesmo lugar que a singularidade do desejo. Nós aceitamos isso de bom grado (e a época também propõe isso): que tem que ir a um colégio mais ou menos progre para que diretores e docentes estimulem com a frase “que cada um encontre seu próprio percurso, que aprenda a somar por seu próprio pensamento”. E chega um momento em que alguém não pode. Ou seja, a ideia de que faz bem o próprio caminho está metida por todos os lugares. E eu acredito que é consequência da psicanálise. Na realidade, trata-se do pensamento oriental, é o que a psicanálise deve a este que já o tinha de antes. Na primeira frase do Seminário 1, Os escritos técnicos de Freud, ele diz: “Mestre Zen”. Miller conta que essa frase foi sim de Lacan, mas que, na realidade, ele a pôs no início quando editou o seminário. Existem múltiplas referências ao pensamento oriental, é uma dívida que a psicanálise tem com ele.
Todo mundo está, em geral, de acordo com isso: que o singular faz bem. O problema é definir o que é o singular, e que nós possamos justificar por que o singular faz bem. Para mim não é tão claro. Escutamos qualquer testemunho de passe e notamos como todo mundo encontrou sua singularidade. E de repente alguém vem e diz: “que bom, encontrou sua singularidade!” (risos). Mas, por que isso faz bem? Parece-me que vale a pena que façamos esforço, porque o consideramos como certo.
R.: Você propõe, então, situar o norte da direção da cura pela fantasia ou pelo sinthome, tomando-os como duas orientações diferentes?
Naparstek: Sim, é o norte, e todo mundo está de acordo. Mas em Lacan, na época da fantasia, a singularidade estava ligada à fantasia, e na época do sinthome a singularidade está ligada ao sintoma. E não é a mesma singularidade. E em relação à época da fantasia, tenho argumentos do porquê faz bem. Com a do sintoma, não sei se é tão claro. De fato, deparo-me com pacientes, especialmente nas psicoses, que não faz nada bem empurrá-los à singularidade; melhor convém que se cole nos outros e que ande pela vida assim. Este é um tema com o qual temos, a meu ver, uma dívida: sobre pensar onde situamos o singular e por que partimos da ideia de que isso faz bem.
G.: A propósito da questão do desejo do analista, quando saiu o Seminário 6, O desejo e sua interpretação, Graciela Brodsky dizia que, desde que terminou sua análise e levando em conta sua própria prática, o desejo do analista para ela é o sinthome.
Naparstek: Sim. Seria necessário precisar o que é chamado de sinthome.
R.: Eu gosto da definição que Jacques-Alain Miller deu há tempos: que o sinthome é sintoma mais fantasia.
Naparstek: É uma definição bem milleriana, e tem que poder dar conta do que é isso. O que se sabe é que não é, em absoluto, aquela dada por Lacan, não é formulado dessa forma em nenhum lugar. Também levando em conta os acréscimos que Miller fez neste último tempo, sobre que são os restos de fantasia. Na reportagem que Eve Miller-Rose e Daniel Roy fazem com ele, ele fala de fazer um uso próprio “heroico” da fantasia – fórmula para o sintoma –, para extrair daí a energia necessária e poder fazer tudo o que está fazendo. Marca a diferença entre fazer um uso da fantasia e que a fantasia te use. É uma referência interessante, porque estávamos acostumados a antecipar que “fazer uso”, necessariamente, era fazer uso do sintoma. Saiu no início deste ano em um Lacan Quotidien. Ele dá essa referência e, a meu ver, implica uma mudança em relação à fantasia. E aí sim encontro algo do desejo em outra ordem, é outro tipo de desejo, em relação àquele que se encontra articulado à lei. Isso também é uma mudança em relação à formulação do pai em Lacan, porque toda a formulação do pai é como pai da perversão, é o pai que tem um desejo, que faz de uma mulher a causa do seu desejo. É um pai articulado a um desejo que não é a lei. Quando Lacan fala do aperití, o pai do aperitivo, me parece uma referência fantástica, porque o aperitivo é sempre algo muito limitado. Alguém poderia dizer: “cada qual tem seu próprio aperitivo”. Não é a comida, nem a grande comilona que seria o protopai, que anda de mãos dadas com “eu como tudo”, e sim o gozo desaforado da época, um empuxo ao gozo desaforado. Ou seja, o outro é a comida e este é o aperitivo. Com que coisa limitada e pontual o pai goza. Essa noção de pai está muito mais ligada ao desejo, em termos da fantasia – que é o que dizíamos antes – porque é o pai da perversão o que orienta, porque tem um desejo. Há algo do desejo bem articulado ao singular, que é localizado e preciso, não está do lado do excesso, e é o contrário da época atual. Não me parece casualidade que Lacan fale desse pai ao final do seu ensino, revisando sua noção do mesmo. Porque o outro é o pai universal, e este é o pai que tem a ver com o singular de cada um, e finalmente o que vale é o pai que cada um armou para si. Óbvio que tem a ver com o pai de carne e osso de cada um. No primeiro Lacan, em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, o pai de carne e osso não importava nada; por outro lado, em direção ao final, a pergunta é como alguém arma para si esse pai, que é uma versão e que também tem algo de encarnado, que finalmente tem a ver com o Outro sexo, com o feminino.
R.: Levando em conta essa falta de bússola nos tratamentos de hoje, a cura apontaria para que algo dessa fissura seja captado ou simplesmente se registra como um efeito da contemporaneidade?
Naparstek: Eu acredito que Lacan tem uma direção que vai até a localização. Em alguns casos, isso já está localizado e a questão é o que fazer com isso, e em outros casos isso mesmo tem a forma de uma devastação. A forma devastação hoje está estendida, vê-se muitos homens devastados, não precisam ser mulheres. A meu ver, é o efeito mais interessante do que se chama “feminização da época”. É um fato que as mulheres ocupam lugares em todo o mundo, mas com o que contribuímos ao dizer isso? Podemos dizer que há um sofrimento que tem a estrutura feminina, que é a estrutura da devastação. Na época atual se sofre mais ao modo feminino porque a devastação, se algo marca, é a deslocalização. É “Irma”, o furacão, que arrasa tudo. São os pacientes aos quais se pergunta: e contigo, o que acontece? E eles respondem: “tudo acontece comigo”.
R.: “A onda me esmagou”.
Naparstek: O esmagou, o arrasou e está tudo de pernas para o ar. É um tsunami. Nesses casos, entendo que na clínica se trata de localizar algo.
G.: Entendo que uma coisa é isso de “Irma passou” e outra é estar desbussolado com uma anorexia absoluta de desejo. Alguns sujeitos chegam totalmente mudos, não sabem o que fazer da vida, nem o que estudar e não querem saber nada.
Naparstek: Mas é parecido. Quando não se pode localizar algo, quando aparece esse “não sei o que fazer da vida”, na realidade é um “não sei o que fazer com tudo” e não tem por onde ir. Quando alguém diz “me ocorre isso”, isso é algo pontual, tem um sintoma, algo localizado. Distinto de quando dizem: “não sei o que fazer da vida, nada me interessa”, sendo isso um modo de devastação. Podem estar fazendo qualquer coisa, consumindo, por exemplo. Aparecem formas mais maníacas ou mais depressivas, mas são formas de devastação.
G.: E como o analista faz para chegar, o que ele tem que fazer falar para que o sujeito possa construir algo dessa forma necessária?
Naparstek: Aí estão os casos em que os analistas contam como conseguiram fazer para chegar a algum ponto, porque para abordar algo necessitamos partir de algum lugar. Lembro-me de um paciente que dizia: “Sou toxicômano desde antes de nascer, porque meu pai já consumia, então eu consumia na barriga de minha mãe”. Nesse momento lhe disse: “Podemos estar de acordo, mas quando foi a primeira vez que você fumou um baseado?”. Procura-se onde está a questão, onde começa, de onde começar a puxar o fio. Assim, como que de passagem, este paciente diz: “sim, aos 14 anos quando meu pai morreu”, aí já temos um fio. Há uma relação entre isso que contou, que talvez o sujeito não dê importância, mas para nós equivale a um fio de onde agarramos, que não necessariamente é o Édipo, mas com as perguntas mínimas que fazemos começamos a buscar uma causa. Buscamos desde onde nos agarrar, com um mínimo indispensável, e em alguns casos chegamos a algo.
R.: No Seminário 6, Lacan diz que o neurótico se deseja desejante. Você acha que o neurótico de hoje também se deseja desejante?
Naparstek: Pode ser, quando alguém vem dizendo “quero querer algo”.
G.: Quero que algo me empurre, que me faça levantar da cama, me faça despertar e quero poder sustentar algo.
Naparstek: Sim, isso pode ser. Também tem o neurótico que quer algo e sempre faz o contrário do que quer. Aí é diferente porque já quer algo.
R.: Querer outra coisa do que diz é o discurso egoico, não?
Naparstek: Sim, é a inibição: se está inibido de algo que deseja. Se não, não é inibição.
R.: Ou está com um discurso do ideal e está fazendo outra coisa.
Naparstek: Claro, mas quando é que alguém se nota inibido? Quando deseja algo e não pode. Eu não jogo tênis e não estou inibido de jogar tênis porque não me interessa; mas se fosse jogador profissional e não pudesse segurar a raquete, aí teria um problema. Ou seja, está sempre ligado ao desejo, é uma problemática quando o desejo já está instalado. Para nós, como analistas, isso é muito mais cômodo, já se tem o desejo cogitado. Penso que a devastação está ligada à falta de desejo, isso arrasa com tudo, e não se sabe por onde começar. Nesses casos, o que se poderia fazer é acompanhar o sujeito para que comece por algum lugar. Por exemplo, o porquê não sabe o que acontece consigo. E assim transcorrem essas primeiras entrevistas; obviamente, não se supõe uma associação livre, se é muito diretivo. Insisto também nos controles, quando os praticantes dizem aos seus pacientes: “tem que associar livremente”. Às vezes, o sujeito não tem nada para associar, não há o que associar, porque a associação livre é com o desejo. Freud confiava no desejo: alguém, diga o que disser, sempre vai se deparar com seu desejo; agora quando não estamos nesse ponto, dizer que associe livremente é…
G.: É uma catástrofe!
Naparstek: Claro.
R.: Seria empurrá-lo ao furo…
Naparstek: E pode até ser ainda mais angustiante. São entrevistas nas quais se pergunta, se dirige, e não é ao que estávamos acostumados.
Obrigada, Fabián!