No seu primeiro ensino, Lacan apresenta o desejo como desejo do Outro e o falo como significante desse desejo. Assim, para o neurótico, o desejo do Outro está no horizonte de todas as suas demandas e se impõe para o sujeito de forma perturbadora e enigmática. Isto se dá pelo fato de a experiência do desejo só aparecer como contrária à construção da realidade e ainda porque o desejo é sempre desejo de outra coisa, é um x. Nesse sentido, se não há acordo pré-formado entre o desejo e o campo do mundo, o desejo se apresenta como o tormento do homem.
O sonho da Bela Açougueira (BA) serve para ilustrar que é na histeria que se vê com maior clareza esse desejo do Outro ser tomado como ponto de apoio. Lacan separa a demanda do desejo nesse momento da teoria. O sujeito pensa que deseja o que demanda, porém o que pede não é o que deseja. A BA pede ao marido que não lhe dê o que deseja (caviar) para que o desejo se mantenha insatisfeito. O que ela não quer, enquanto histérica, é ficar só com o homem do gozo. Isto vem confirmar que, apesar de a histérica ter a astúcia de separar o desejo da demanda, ela não alcança o que lhe sucede com o gozo. Por outro lado, o marido da BA pede uma mulher gorda, mas o que deseja é um pedaço do traseiro da mulher magra. Ao separar a demanda da necessidade, o que resta é o desejo. O desejo é, portanto, esse resto da relação com o Outro.
Se o desejo é o que não se pode dizer, o seu efeito de sentido é a fantasia que, enquanto significado do Outro, tem a função de sustentar e realizar o desejo. Na neurose, a fantasia dá uma significação ao gozo, assegurando para o sujeito uma posição no mundo; daí ter um funcionamento estável – o sujeito é sempre cativo e prisioneiro de sua fantasia.
Vale dizer que esse funcionamento estável garantido pela fantasia pode falhar, pode não funcionar e quando isso acontece ocorre o que Lacan considera como o enlouquecimento do desejo. No Seminário 6, ele apresenta a tragédia de Hamlet como a tragédia do desejo.[1] A peça é o drama do desejo em sua relação com o desejo do Outro. Hamlet perde toda a referência do lugar que ocupava no desejo dos pais. Ele se torna louco e só através da identificação com Ofélia, após a sua morte, pôde retomar o correto funcionamento da sua fantasia.
No texto “Formulações sobre a causalidade psíquica”, Lacan examina a causalidade essencial da loucura, distinguindo-a da psicose.[2] Baseando-se em Lacan, Miller no curso Donc destaca a relação íntima entre loucura e identificação fálica, enfatizando que há loucura quando o sujeito padece de uma identificação imediata.[3] Ocorre aqui um desconhecimento que se refere a equação eu = eu. O delírio de identidade consiste em colocar o Outro fora de si.
No seu último ensino, especialmente nos Seminários 21 e 23, Lacan utiliza a loucura como equivalente ao desenodamento, não necessariamente na psicose, mas também na neurose. Não só os psicóticos são loucos, mas cada um tem seu modo de enodar-se ou desenodar-se. Em 1978, em Vincennes, Lacan define a loucura como universal, daí a frase “Todo mundo é louco, quer dizer delirante”.[4] Na sequência, ele anuncia que o sinthoma vem cumprir a função em que antes funcionava a fantasia: um elemento fixo, estável, que sustenta o sujeito em seu desejo e seu gozo.
Patricio Alvarez situa os momentos nos quais a fantasia não funciona em sua função de suporte do desejo ou regulador do gozo. Ele examina várias formas de loucura divididas em: suspensão, rutura e ausência.[5]
Em relação à suspensão da fantasia, o autor coloca quatro formas: 1 – a vacilação da fantasia onde se dá a suspensão do sujeito com o objeto a; 2 – a realização da fantasia que se presentifica com seu gozo, como mostra o capitão cruel no caso do Homem dos Ratos; 3 – o acting out como modo de fazer um apelo ao Outro para retornar ao funcionamento fantasmático; 4 – a depressão, em que a fantasia não libidiniza a juntura íntima do sentimento da vida.
Nas ruturas, a fantasia não funciona na articulação entre o desejo e o gozo, podendo ocorrer: nas passagens ao ato; nas formações de rutura do tóxico; no silêncio do ato violento; nos sintomas alimentares e na queda do Outro.
Existem ainda os modos nos quais a fantasia não existe porque não se constituiu: são os casos de psicose e do autismo. Ainda assim, o sujeito psicótico pode construir uma defesa imaginária que venha suprir a fantasia.
Também para a psicose ordinária a fantasia pode apresentar-se reduzida a um S1, permitindo ligar os três registros, impedindo o desencadeamento.
Finalmente, Alvarez considera que todas essas são modalidades clínicas da loucura, nas quais a fantasia não funciona como suporte.