“O desejo do homem é o desejo do Outro” (LACAN, 1964/1998, p. 223).
Questionamo-nos se haveria ainda lugar para o desejo na atualidade. Em um mundo marcado pela modalidade de laço social configurada pelo discurso da ciência em parceria com o discurso do capitalista, a orientação majoritária das práticas psicoterápicas segue a via dos ideais superegoicos. A psicanálise de orientação lacaniana, em contraposição, vem reposicionar-se em uma Outra cena, aquela do inconsciente, refletindo um enlace ao Outro, isto é, à alteridade radical fundante do ser falante.
O Outro abre a via ao andar superior do chamado “Grafo do desejo” (MILLER, 2013). O Outro funciona como conector à Outra cena por intermédio do operador chamado “desejo do analista”; seu acréscimo no lugar do Outro da fala abre, por meio da abstinência (douta ignorância), um trajeto situado mais além rumo ao andar superior, onde se encontra a pulsão. Logo, a questão do gozo só pode ser colocada quando se acessa o nível superior do grafo do desejo, fazendo o Outro perder sua consistência ao ser barrado.
Tal franqueamento não pode ser feito senão pelo desejo do analista, operador central à psicanálise de orientação lacaniana: é ele que possibilita à psicanálise se separar de seu duplo, as psicoterapias, as quais assumem tal feição como nos contos à moda de Edgar Allan Poe. Cabe ao psicanalista furar a consistência do Outro da demanda e elevar o objeto (a) ao estatuto de causa pulsional do sujeito. Por sua presença, o analista encarna a dimensão do inconsciente, jogando com o simbólico para operar a divisão no sujeito. Conforme o discurso do analista, este “faz semblante de objeto a” perante um sujeito que escolheu como parceiros os engodos do objeto a. Isso opera e relança o desejo, fazendo com que os sujeitos experimentem o inexorável da não-relação sexual.