[…] A esse tipo de corrente no interior do aparelho, partindo do desprazer e apostando para o prazer, demos o nome de “desejo”; afirmamos que só o desejo é capaz de pôr o aparelho em movimento e que o curso da excitação dentro dele é automaticamente regulado pelas sensações de prazer e desprazer. O primeiro desejar parece ter consistido numa catexização alucinatória da lembrança da satisfação. Essas alucinações, contudo, não podendo ser mantidas até o esgotamento, mostram-se insuficientes para promover a cessação da necessidade, ou, por conseguinte, o prazer ligado à satisfação (Freud, 1900/1996, p. 624-625).
No capítulo VII de A interpretação dos sonhos, Freud estabelece uma noção do funcionamento do aparelho psíquico. Partindo do modelo baseado no arco-reflexo, ele propõe uma segunda hipótese em que trabalha com o princípio do prazer-desprazer, de modo que o aumento da excitação é lido como desprazer, ao passo que a redução da estimulação é vivida como uma experiência prazerosa. Freud supõe que o aparelho psíquico se coloca em busca de um prazer primevo, vivido numa primeira experiência de satisfação (Freud, 1900/1996).
Trata-se de uma experiência mítica, marcada no psiquismo por meio de traços de memória inconscientes, para a qual o sujeito sempre se volta. Este movimento é, essencialmente, o que constitui o desejo. Freud trata o desejo, portanto, como algo que faz o sujeito retornar a um estado anterior a fim de reviver as primeiras experiências de satisfação. Desse modo, o desejo freudiano não se dirige a nenhum objeto propriamente; ele se realiza de modo alucinatório, não sendo de sua natureza ser satisfeito, apaziguado, mas sim realizado, concretizado (Hanns, 1996).
Se Freud afirma que o sonho é a realização de um desejo inconsciente, podemos entender que ela não se inscreve na realidade, pois funciona como uma experiência alucinada durante o sono. Assim, a dimensão do desejo não tem outra realidade que não a de uma realidade psíquica. Sua marca é a falta, é a busca pela satisfação e assim também se constitui como algo de mais singular e metonímico de cada sujeito.