[…] a demanda […] por se articular em significantes, deixa um resto metonímico que corre debaixo dela, elemento que não é indeterminado, que é uma condição ao mesmo tempo absoluta e impegável, elemento necessariamente em impasse, insatisfeito, impossível, desconhecido, elemento que se chama desejo.[1]
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Tania Porto (associada ao IPB)
O desejo é aquilo que sobra, o que resta no processo de tradução da necessidade em demanda. No processo de traduzir as nossas necessidades para o Outro, e isso ocorre necessariamente de acordo com o código do Outro (linguagem), inevitavelmente alguma coisa se perde. Quando um bebê articula seu pedido, isso não corresponde exatamente à sua necessidade, pois o código é do Outro, e, como se sabe, o significante é apenas um lugar-tenente daquilo que representa. Não pedirá exatamente o que desejou e não receberá exatamente o que pediu. Já adverte, sabiamente, Lacan no Seminário 20: “eu lhe peço que você recuse o que lhe ofereço porque não é isso”[2]. A demanda é um processo de retorno contínuo ao não é isso. Na forma de um toro, ela endereça o pedido, o desejo, mas não é isso, e de novo ela gira nesse toro e vai assim constituindo um vazio central que delineia o desejo. Desejo é falta. É a busca por aquele objeto mítico que seria exatamente igual ao que o falasser perdeu em sua primeira experiência de satisfação, o inefável objeto a, nada que exista no campo do Outro. O objeto a, objeto causa de desejo, está atrás, impulsionando a cadeia dos significantes (mas fora dela), ao encontro de objetos de desejo, fac-símiles fadados a deslizar metonimicamente na cadeia, a cada vez que nos depararmos afinal com o não é isso…
Portanto: Desejo, mostra a tua cara! Não é tarefa simples. O desejo se desdobra em muitas caras… Que apostas clínicas poderemos fazer para nos mantermos na trilha desse resto obscuro e irredutível? Certamente é pergunta para a nossa Jornada 2023!
[1] LACAN, J. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. (1964) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988. p 146.
[2] LACAN, J. O seminário, livro 20: Mais, ainda. (1972-1973) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. p 152.