Quando amam, não desejam,
e quando desejam, não podem amar. (Sigmund Freud)
Em sua segunda das “Contribuições à Psicologia do Amor”, intitulada “Sobre a mais comum depreciação na vida amorosa”, Freud (2013, p. 352) apresenta uma frase que sintetiza o grande e pequeno drama do homem neurótico-obsessivo: “quando amam, não desejam, e quando desejam, não podem amar”. Com essa preciosidade, Freud se referia aos neuróticos que, incapazes de enfrentar a complexidade e singularidade feminina, dividiam as mulheres em dois universos tão distintos quanto imiscíveis. De um lado, está a santa, a pura, muitas vezes inalcançável, ou quando alcançada, aquela que não pode ser tocada sem manchar sua perfeição – em suma, a substituta da mãe. Do outro lado, a puta, a vagabunda, aquela à qual a virilidade do homem neurótico se manifesta com todo o seu vigor. Para a primeira, o mais sagrado respeito, mas a “impotência psíquica”, a disfunção erétil. Para a segunda, a potência viril e o coito bem-sucedido, mas a depreciação do objeto. Como saída a esse impasse próprio ao neutórico-obsessivo, Freud (2013, p. 356) apresenta outra frase que deve ter soado muito desconcertante àquele mundo ainda muito puritano: “para ser realmente livre e feliz no amor, é preciso haver superado o respeito ante a mulher, haver se familiarizado com a ideia do incesto com a mãe ou a irmã”. Naturalmente, Freud não estava dizendo que se deve ser desrespeitoso com as mulheres, mas que a supervalorização de uma mulher pela purificação ou santificação ocorre apenas às expensas de uma divisão tal que não existe em lugar além da experiência do homem neurótico-obsessivo, que nada tem a ver com a mulher em si. Essa observação freudiana sobre o desejo, escrita há exatos 111 anos, me parece surpreendentemente atual quando ouvimos discursos inundando as redes sociais, opondo as “mulheres de valor” às mulheres – essas últimas definidas, em sua essência, pela promiscuidade sexual e poligamia inata. Os neuróticos-obsessivos agora fazem seus clubes digitais e não param de falar das mulheres todo o tempo, mas de uma maneira tal que os afasta irremediavelmente de vislumbrar o desejo e o gozo feminino.