
Boletim #03 – SETEMBRO 2023
EDITORIAL
Daniela Nunes Araujo (EBP/AMP)
Segundo Freud, nós, leigos, somos constantemente causados pela curiosidade em saber “de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material” e como alcança nos surpreender e despertar emoções, das quais nem cogitávamos. Ainda segundo ele, os escritores criativos nos asseguram que só com o último homem morrerá o último poeta.
É neste mesmo texto, em “Escritores criativos e devaneios”, que Freud já desenhará algo a respeito da fantasia nas crianças. Um tempo de passagem do brincar para os devaneios, tempo da criança de abdicar dos objetos reais para a construção da fantasia.

LAMPEJOS
Uma máscara do desejo: a fantasia
Maria Rita Guimarães (EBP/AMP)
Desidério apresenta-se com seu lindo nome, que alude à etimologia e ao enigma próprios ao substantivo desejo e ao ato de desejar. A evocação “Desejo, mostra sua cara!” confirma que há uma ausência e que desejamos aquilo que nos falta. Mas, se não vemos nem sabemos o que é a cara do desejo, sabemos, através do ensino de Lacan, das máscaras que o revestem.

O desejo, na época do Um sozinho.
Enric Berenguer (AME ELP/AMP)
Em seu curso “A orientação lacaniana”, Jacques-Alain Miller nos permite situarmos algumas chaves do último ensino de Lacan que são imprescindíveis para pensar a psicanálise do século XXI. Quão relevantes são os conceitos com os quais costumamos pensar a nossa prática? Assim, o de desejo não está particularmente presente nesse ensino, tampouco o de transferência, nos obrigando a um exame atento da sua vigência.
A tensão que propomos no título de nossas Jornadas entre desejo e gozo está destinada a interrogar a atualidade das formas em que o sujeito falante, sob um regime que já não é o da repressão, reinventa seu desejo…

RESENHA: O desejo da mãe hoje: incidências do feminino na clínica com crianças e adolescente.
Paula Goulart (cartelizante e associada ao IPB)
No dia primeiro de agosto de 2023, participei do encontro do Núcleo Pequeno Hans, cuja convidada foi Nieves Soria. Nessa data, discutiu-se a incidência do feminino sobre o desejo materno, a partir dos efeitos da evaporação do Nome-do-Pai.
Uma pontuação importante de Nieves é o efeito orientador que o Nome-do-Pai detém, demarcando que a sustentação da família pelo Nome-do-Pai situava a mulher nos lugares de mãe, esposa e filha. Como efeito dessa sustentação, havia uma drenagem do gozo feminino, uma drenagem incompleta, que deixava escapar alguma coisa e instalava uma dimensão enigmática em torno do feminino, ocultado pelo ideal masculino.

Todo mundo deseja?!
Camilla Costa (Associada ao IPB)
Assim responde Miller (2013) quando questionado sobre o elogio à perversão em Lacan no Seminário 6, O desejo e sua interpretação. O desejo, quando tomado como substantivo, convoca o equívoco, uma vez que sua obviedade falseia aparecer no verbo [desejar]. Desejar algo não é em si o desejo, nem responde o que é o desejo, ao contrário, dissipa o que parecia possível. No Seminário 6, Lacan aponta que o desejo perturba a percepção do objeto, sendo a tormenta do homem, aquilo do qual não se apropria e não aniquila.

DESEJAR-TE
Numa esquina qualquer: um touro atravessou um toro…
Fábio Mantovaneli (cartelizante e associado do IPB)
As cidades, em sua diversidade arquitetônica, podem ser vistas como manifestações físicas dos sonhos e desejos humanos. O surrealismo muitas vezes brinca com a arquitetura dos sonhos, criando espaços que desafiam as possibilidades da física e exploram os limites da imaginação. Nas obras surrealistas, as cidades muitas vezes são transformadas em cenários estranhos e desconcertantes, refletindo a natureza enigmática do inconsciente.
Nas obras de Salvador Dalí, por exemplo, é comum encontrar elementos simbólicos, metamorfoses e imagens que parecem desafiar a lógica. Esses elementos, assim como “a suposta cara do desejo”, podem ser interpretados/experienciados à luz da psicanálise, e a partir disso podemos esboçar algo que relacione arte, cidade e os meandros do desejo.

Desejo, lendas e travessuras
Saulo Machado Cunha (participante do IPB)
A perspectiva do tragicômico, por sua vez, não é o que Lacan parece apontar no que reside de oscilação e de engodo na experiência humana com o desejo? Talvez não tenha sido à toa que Miller tenha trazido um personagem do mundo da fantasia, o duende, para falar do desejo. Seguindo a indicação de Lacan (1958-1959/2016, p. 200) de que o desejo “é uma certa posição do sujeito em face de um certo objeto” e que esta relação se dá através da fantasia, é possível constatar que na relação do sujeito com seu desejo há uma fantasia, uma lenda, um duende.

“AlÉM DO MAIS… A ESCOLA”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Desejo em Miller
[…] MILLER, J.-A. A interpretação pelo avesso. Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo, n. 15, p. 96, 1996. Grifos do autor.
O que é o inconsciente? Como se interpreta seu inconsciente? – quando não mais referido à consciência, mas à função da palavra no campo da linguagem. Quem não sabe que o inconsciente fica inteirinho na defasagem? – a defasagem que se repete no que quero dizer ao que digo – como se o significante desviasse a trajetória programada do significado, e isso fornece elemento para ser interpretado – como se o significante interpretasse a seu modo o que quero dizer. Freud situou aí, nessa defasagem, o que chamou o “inconsciente” – como se no lugar do meu querer dizer, que é minha “intenção de significação”, ficasse o querer dizer de significação outra que seria o do próprio significante, designado por Lacan com o “desejo do Outro”.
A equivalência do inconsciente e da interpretação é o que surge no fim do seminário “Desejo e sua interpretação” – neste paradoxo o desejo inconsciente é sua interpretação.

Diretoria da EBP – Bahia: Diretor Geral – Luiz Felipe Monteiro | Diretora Secretária Tesoureira – Luiza Sarno
Diretora de Cartéis e Intercâmbio – Carla Fernandes | Diretor de Biblioteca – Rogério Barros
Diretoria do IPB: Analícea Calmon (Diretora Geral) | Sônia Vicente (Diretora de Ensino)
Luiza Sarno (Diretora de Planejamento e Finanças)
Coordenação Geral das XXVII Jornadas: Pablo Sauce (EBP/AMP)
Comissão de Comunicação: Daniela Nunes Araujo (coord), Bruno Oliveira,
Graziela Vasconcelos, Júlia Jones, Liliane Sales, Márcia Ledo, Tânia Abreu e Wilker França.
Designer: Bruno Senna
