Alice Delarue (AMP/ECF, Paris)
Vocês mal começam a descobrir a foneterapia? Ela já é passado (“has been”)! Deu lugar à cyberterapia[1]. Este mês, Lalie Walker, autora de thrillers e psicanalista nas horas vagas[2], nos ensina a nos tornar web-terapeutas confirmados. Partindo de uma constatação amarga – “Como fazem aquelas e aqueles que trabalham até tarde da noite, bem depois de os terapeutas já terem fechado a porta do seu consultório? Qual praticante, liberal, abre suas portas num domingo?”, ela nos adverte: os psis deverão ter que integrar essa nova relação ao tempo e à modernidade se pretendem manter seus pacientes. “Tanto – acrescenta ela – que certas abordagens terapêuticas – penso na hipnoterapia erickssoniana – demostram que podemos abordar nossos questionamentos e nossas dificuldades interiores de outra forma que não a de passar anos com um psi.”[3]. E bem. Mas consultar on-line, concretamente, o que é? “É encontrar pela escrita, e-mail ou mensagem imediata – ou pela palavra – Skype – uma presença, uma escuta. Um acompanhamento.” Todo um programa. E Lalie Walker anuncia, orgulhosamente, que um aplicativo para Iphone está sendo validado na Apple Store.
Apostamos que esse aplicativo achará seu lugar com o novo programa de apoio psicológico criado pelos muito eminentes professores André e Servant[4]: “Inscrevendo-se em uma abordagem de terapia de autoajuda, ‘SymbioFeel iPhone Relaxation’ vai desenvolver suas capacidades naturais para relaxar, melhor gerir seu estresse e suas emoções, a fim de descobrir uma outra forma de sentir o mundo exterior e de se perceber a si mesmo.”[5] Trata-se de uma série de exercícios comportamentais a serem realizados via smartphone e que dão conta de um verdadeiro “acompanhamento terapêutico”. Ver por exemplo o “Varridela corporal na posição sentada” (Duração: 7’04”); ou o exercício n. 2, imperdível: “Concentrar-se na ação de comer uma maçã” (Duração: 5’38”). Não se inquietem, “Se os resultados não lhes são perceptíveis de imediato, sejam perseverantes, repitam seus exercícios. O objetivo é chegar a uma forma de condicionamento.”[6]
Para prosseguir nosso percurso do horizonte da oferta psi on-line, podemos dar uma volta no site tccenligne.com[7]: “Onde você estiver, sem se deslocar, seu psicólogo responde. No trabalho, em casa, de férias, desde que um acesso à internet esteja disponível”. Salvo que é impossível marcar uma consulta no site – há certo descaso quanto à disponibilidade… Nossos colegas canadenses parecem estar bem mais no ponto em matéria de cyberterapia: o Dr. Veniez tem a audácia de nos propor seções de hipnose via webcams[8]. Não impedimos os poderes da e-sugestão!
As TCC parecem então se ajustar maravilhosamente às novas latusas. Mas e a psicanálise? Para quando um aplicativo “Divã” nas nossas telas, quando chove e a gente tem preguiça de ir à sessão? Numa entrevista já antiga no Libération, Jacques-Alain Miller responde a Éric Favereau, que lhe pergunta se a presença virtual terá alguma incidência sobre a sessão analítica: “a copresença em carne e osso é necessária, nem que seja mais que para fazer surgir a não-relação sexual. Se sabotamos o real, o paradoxo se esvai. Todos os modos de presença virtual, mesmo os mais sofisticados, irão tropeçar nisso.”[9]
A psicanálise pode muito bem ser “uma instalação portátil” e o analista “um objeto nômade”[10], não será logo amanhã que eles aparecerão em nossos celulares. O discurso analítico tem um uso totalmente diferente do da latusa. Pierre-Gilles Guéguen lembra que para Lacan a latusa é o lugar do gozo autístico, e também “o lugar onde o analista deve ficar”. Isso na medida em que, de forma concomitante, “ele puxa o tapete”: “Se ele ocupa o lugar da latusa, é ela que absorveria todos os falsos gozos que as vaidades do mundo acarretam”[11]. Perspectiva que, sem dúvida, não vende o suficiente para a Apple Store, mas muito mais estimulante.
Tradução: Pierre-Louis Brisset
Texto originalmente publicado em DELARUE, Alice. Mon psy est une lathouse. Aléthosphère, Uforca, n. 3, 2011. Disponível em: <https://www.lacan-universite.fr/wp-content/uploads/2011/01/Alethosphere_3.pdf>. O boletim Bendegó agradece gentilmente a autorização da autora.