Category Archives: Textos de Orientação

Para a psicanálise, as raças constituem um mito criado por diversas manifestações de discursos dominantes. O que existe é "o racismo dos discursos em ação"1, portanto, o que há das raças resulta de pensamentos e práticas racistas. Raça e racismo são inseparáveis, ou seja, o mito de raças diferentes é produto do racismo que emergiu, no início do século XVIII, com repercussões no discurso da ciência. Assim, o paradigma de cunho racial faz-se presente, por exemplo, em iniciativas de naturalistas – entre outros, como Carl von Linné (1707-1778) – que buscavam um princípio de classificação de grupos de homens e de animais em categorias, segundo critérios biológicos e morfológicos. Os problemas acarretados por esse esforço de classificação agravam-se com o advento do evolucionismo darwinista, no século XIX, quando os critérios da antropologia física dão lugar a critérios biológicos e genéticos. Reforça-se, então, no contexto do saber, a ideia de uma hierarquia das raças, como resultado de uma presumível evolução do patrimônio hereditário modificado por adaptação ou por seleção natural.
“[…] parece que os povos obedecem agora muito mais às suas paixões do que aos seus interesses”¹. Como pensar as relações entre ódio e racismo? O primeiro deságua necessariamente no segundo? Laurent retoma Lacan apresentando o laço social fundado em uma rejeição primordial que constitui o ódio: “não é um homem aquele que eu rejeito como tendo um gozo diferente do meu”². Odeia-se, porém, o desconhecido do próprio gozo. Como, então, esse desconhecido se apresenta como diferença reconhecível e ganha um alcance na cultura com consequências que se arrastam por séculos? E ainda: a lógica da exclusão contempla a profusão da violência racista de nossos dias? Achille Mbembe, em seu livro Crítica da razão negra, apresenta o racismo como a identificação do homem não com aquilo que o torna igual aos outros, mas com aquilo que o distingue deles: “tudo que não é idêntico a mim, é anormal”. É sobre o fundo de uma nomeação europeia que o “negro” passa a existir, e a empresa colonial e civilizadora não deixará de produzir cesuras que precipitarão o lugar do negro como aquele que não é homem. A “razão negra” se constrói aí e “[…] se consola odiando, manejando o terror, praticando o alterocídio, isto é, constituindo o outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto propriamente ameaçador, do qual é preciso se proteger, desfazer, ou que, simplesmente, é preciso destruir, na impossibilidade de assegurar o seu controle total”³.
Vocês começam apenas a descobrir a fone-terapia? Ela é já, já foi (“has been”)! Lugar à cyber-terapia[1]. Este mês, Lalie Walker, romancista de thriller e psicanalista nas horas vagas[2], nos ensina a nos tornar web-terapeutas confirmados. Partindo de uma constatação amarga – « Como fazem aquelas e aqueles que trabalham até tarde a noite, bem depois que os terapeutas jpa fecharam a porta do seu consultório? Qual praticante, liberal, abre suas portas um domingo? » –  ela nos adverte: os psis deverão ter que integrar esta nova relação ao tempo e à modernidade se pretendem manter os seus pacientes.  « Tanto – acrescenta ela– que certas abordagens terapêuticas – penso na hipnoterapia erickssoniana – demostram que podemos abordar nossos questionamentos e nossas dificuldades interiores de outra forma que passando anos com um psi.»[3]. E bem. Mas consultar on-line, concretamente, o que é? « É encontrar pela escrita, e-mail ou mensagem imediata – ou a palavra – Skype – uma presença, uma escuta. Um acompanhamento. » Todo um programa. E Lalie Walker anuncia, orgulhosamente, que um aplicativo Iphone está sendo validado junto à Apple Store.
Podemos ver a incidência dos acontecimentos de “Maio de 68” no Seminário 17 de Lacan não apenas por uma proximidade de datas[1], mas também por sua irrupção em algumas ocasiões nesse Seminário e sobretudo pelo modo como Lacan os analisa e interpreta. Esses dois verbos –analisar e interpretar– não os emprego aqui em seu sentido mais geral, como se Lacan fizesse apenas um comentário ou uma leitura conceitual do turbilhão provocado por 1968, este ano que Ventura (2008, 3ªed.), como título mesmo de um livro, nomeou muito bem como “o ano que não terminou”[2]. Então, sustento que Lacan analisou e interpretou “Maio de 68”, tanto quanto seus desdobramentos, no sentido psicanalítico desses verbos, e o fez de forma pública e “ao vivo”. Entretanto, não se trata de uma sessão psicanalítica em praça pública porque, se tivesse sido assim, teríamos algo como um atentado contra o pudor e procurarei demonstrar mais adiante como o Seminário 17 visa, ao contrario, dar um lugar à vergonha em um mundo que já começava a depreciá-la completamente. Com relação ao turbilhão gerado a partir de Maio de 1968, eu diria que o Seminário 17 é muito mais próximo de uma “apresentação de pacientes”,  na qual os pacientes foram substituídos pelos acontecimentos político-sociais daquela época ou, segundo os próprios termos de Lacan, temos no Seminário 17, conforme uma expressão encontrada na lição XIII, uma insistente apresentação de como um psicanalista deve “agir sobre a cultura” (LACAN, 1969-1979, p. 177)[3].