Fabián Fajnwaks*
Saia do discurso capitalista e não do capitalismo: quando Jacques Lacan aponta que existe uma saída, ele não empurra as multidões para Occupy Wall Street, não propõe a criação de um partido político de psicanalistas e mantém uma distância da possibilidade desta saída da qual ele diz, com um toque de ironia, que “se for só para alguns, não constituirá progresso”¹, e o leitor de Lacan conhece a reserva que mantém com qualquer idéia de progresso.
“O discurso do capitalista não quer nada com a castração, ele exclui as coisas de amor”, diz Lacan em “Eu falo com as paredes”. Sua aversão à perda o impulsiona a circular entre os quatro termos de sua arquitetura o que vem em seu lugar: gozo, e reduzir o amor à categoria de mercadorias licenciadas. Para a psicanálise, o amor ocupa um lugar completamente diferente, o de uma embreagem, através da transferência, o que permite a cada um conhecer algo desta parte amaldiçoada que o habita e o impulsiona a conectar-se a este circuito: e isso, isso não é nada… como disse Lacan. É para inocular o “pst”² para o qual Lacan nos dirige para que cada um ouça como ele gosta de ter significado.
Como sair deste discurso “estranhamente astuto” que constitui uma variante do discurso do mestre, no qual a impossibilidade que faz do gozo uma barreira desaparece, em benefício de um circuito que produz um mais-de-gozar?
Este circuito não constitui, estritamente falando, um discurso, no sentido que Lacan confere a este termo; mas como resultado deste circuito, cada um dos outros quatro discursos hoje se encontra relegado ao status de semblante, expondo uma inclinação para o retorno do discurso do mestre em política e para a aliança cada vez mais íntima do discurso universitário com a ideologia neoliberal.
É do lado da relação com o mais-de-gozar que surge uma saída, pois o caminho que Lacan aponta é o do santo que, ao contrário do capitalista que o acumula, descarta (decharite) o gozo, um neologismo que ressoa com a caridade e o descarte daquele que faz semblante. Este mais-de-gozar designa o gasto improdutivo no coração do sintoma e sua dimensão anti-utilitária, do qual uma cura obtém sua extração pela dessecação do gozo até o osso irredutível do sinthoma. A saída, portanto, é realizada pela consumação do que procura consumir-se a si mesmo na satisfação paradoxal do sintoma. É esta satisfação que explora o circuito do capitalismo, pois o vínculo que une o sujeito com o objeto mais-de-gozar e porque se baseia no fantasma fundamental de cada um é que ele não encontra barreira.
Lacan elaborou o mais-de-gozar a partir da análise de Marx de mais-valia: a passagem do capitalismo industrial ao capitalismo financeiro reafirma este modelo: o capital circulante das finanças que depende da produção de commodities que dão valor às ações, fundos de pensão e outros capitais flutuantes. Hoje chegamos ao que Yann Moulier-Boutang chamou de capitalismo cognitivo. Será que Lacan previu, já em 1969, a extensão do que ele chamou o mercado do conhecimento que surgiu com a crise do discurso universitário?
Uma palavra se impôs desde os anos 90 em economia: regulamentação – dos fluxos financeiros às empresas off-shore, ao comércio internacional. Se o efeito cumulativo do capital exige mecanismos reguladores para lidar com o excesso na origem das desigualdades crescentes, a psicanálise não defende a regulação do gozo, que só levaria à sua preservação, mas ao seu esvaziamento.
Com o retorno ao estágio de estados forçados a administrar a atual crise sanitária, alguns autores anunciaram o fim do capitalismo. É verdade que em 2008, durante a crise do subprime, vimos os estados socorrendo bancos; o economista Paul Krugman comentou ironicamente nas colunas do New York Times: “O estado é um problema, mas às vezes pode ser uma solução”, o que foi contra os princípios ultra-liberais da Escola de Chicago, que defendem a retração do estado. Krugman lembrou o princípio keynesiano de que o Estado intervém para permitir que os mercados continuem a funcionar até que os tempos “normais” sejam retomados. Um jornalista lembrou recentemente esta regra de ouro do neoliberalismo: “em tempos de crise não há neoliberais” e sublinhou como com a pandemia “o dinheiro mágico foi redescoberto, o estado social é um ativo importante a preservar, seu financiamento não é mais custos e encargos”⁴. Os tempos de crise revelam assim os limites do sistema e o verdadeiro papel do Estado, que se tornou o seguro de vida dos mercados.
Isto talvez sugira uma nova articulação pós-pandêmica em continuidade com a fundamental percebida por Keynes, onde o papel do Estado não é aquele em que o neoliberalismo como discurso procura confiná-los. Ou seja, talvez no capitalismo seja necessário diferenciar entre o funcionamento real e eficaz dos mercados e o discurso neoliberal que vem a ser acrescentado a este funcionamento, e que não corresponde necessariamente à articulação real e atual dos mercados e estados. A “crise do discurso capitalista” que Lacan anunciou em 1972⁵ poderia muito bem ser alimentada por estas alternâncias de crise e ressurgimento, como muitos economistas observam.
Mais perto da clínica psicanalítica de hoje, vale a pena perguntar sobre esta proposta fundamental de Lacan que “o capitalismo foraclui as coisas do amor” e como procura confiscá-las. Eva Illouz em seu trabalho⁶ introduz uma nuance às observações de J. Lacan que se tornaram famosas, o que nos permite perceber, no fundo, como o capitalismo desde suas origens também tem buscado recuperar e instrumentalizar o discurso do amor. Esta perspectiva não exclui a “forcalusão” (Verwerfung) denunciada por Lacan em 1972, mas nos permite prever efeitos sobre os modos de retorno no real nesta instrumentalização descrita por Illouz em suas obras. Daí seu interesse. Temos todos os dias testemunhos na clínica desta foraclusão, e a psicanálise pode muito bem ser um discurso, o próprio discurso, que oferece um lugar para recorrer e uma alternativa para lidar com esta ausência fundamental que caracteriza nossa civilização de hoje. Isto devolvendo ao amor sua dignidade, além das formas rebaixadas de amor que Eva Illouz descreve e que estão totalmente inscritas na foraclusão denunciada por J. Lacan.