Eixo I. Desejo e seus descaminhos
Marcelo Veras
Desejo e amor caminham por vias erráticas quando tropeçam no real do gozo. A psicanálise, para Jacques-Alain Miller, é um amor automático, frequentemente inconsciente, que o analisante tem pelo analista e que se chama transferência.[1] Introduzir o desejo no mundo atual significa ir contra toda dessubjetivação da clínica, que cala o modo sempre errático como o desejo se manifesta, e o nomeia de mental disorder, transtorno mental, como se fosse possível um desejo dentro da ordem. Nessa clínica da foraclusão do sujeito, a psicanálise é o que permite que o desejo mostre sua cara. O que o Édipo nos permite ver é que no alicerce do desejo já se encontra uma transgressão. Os descaminhos do desejo, desde Freud, passam pela comédia dos sexos. Enquanto o gozo é pleno, o desejo passa pelos circuitos da castração. É o que Lacan enuncia em uma frase de seu Seminário 15, O ato psicanalítico: “Quando uma mulher crê amar um homem, na verdade ela o deseja; quando um homem crê desejar uma mulher, na verdade ele a ama”[2].
Lacan faz um giro suplementar na perspectiva do rebaixamento da vida amorosa concebido por Freud. Quando um homem deseja uma mulher, na verdade é a mãe que está em jogo; portanto, ele a ama. Encontramos no seu texto “O aturdito”[3] passagens que interrogam se um homem pode realmente amar o hétero. Como fazer essa passagem do amor à mãe para o amor a uma mulher? Assim, é possível ler a famosa frase de Lacan que está no Seminário 10, A angústia – “O amor permite ao gozo condescender ao desejo” –, pelo lado feminino e pelo lado masculino das fórmulas da sexuação. Para a mulher, o amor lhe permite se separar da mãe para desejar o falo; para o homem, o desejo pode retirá-lo da solidão do gozo do Um e lhe permitir uma outra condição amorosa. É uma das teses fortes de Lacan em seu Seminário 25, Momento de concluir: o homem, quando ama, o faz como uma mulher, pois para amar é preciso ser castrado.[4] Como afirma Miller, o amor feminiza.[5]