A rubrica ENTRE VISTAS é um espaço criado pela Comissão de Comunicação com o objetivo de funcionar como um balaio de ideias para ir aquecendo as turbinas da nossa Jornada.

Entre páginas, entre vê-se, entre vistas…

Entrevistas preliminares por vezes se fazem entre vistas, correndo o olhar sobre aquilo que se deixou imprimir, marcar…

Nessa seção é também entre vistas que folheamos os livros de referência a essas jornadas e exploramos o áudiovisual. Recolhendo fragmentos do que se achou impresso em papel, bits, faixas e telas, e por conseguinte na atualidade dessa práxis.

Os trechos aqui dispostos – um filme, uma música, pequenos vídeos, visam abrir uma brecha para atiçar o olhar a buscar um pouco mais…

Entre páginas, entre vê-se, entre vistas…

FREUD:

 

“Sobre o início do tratamento (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I) (1913)”. O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911-1913). Rio de Janeiro: Imago, 1996. pp. 136-158.

Para falar claramente, a psicanálise é sempre questão de longos períodos de tempo, de meio ano ou de anos inteiros – de períodos maiores do que o paciente espera. É nosso dever, portanto, dizer-lhe isso antes que ele se decida finalmente sobre o tratamento. Considero muito mais honroso, e também mais conveniente, chamar sua atenção – sem tentar assustá-lo, mas bem no começo – para as dificuldades e sacrifícios que o tratamento analítico envolve, e, desta maneira, privá-lo de qualquer direito de dizer mais tarde que foi enganado para um tratamento de cuja extensão e implicações não se deu conta. Um paciente que se deixa dissuadir por esta informação mostrar-se-ia, de qualquer modo, inadequado posteriormente.

 

Freud S. Sobre o Início do Tratamento (1913). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 2006. v. 12, p. 139-158.

“Dificuldades especiais surgem quando o analista e seu novo paciente, ou suas famílias, acham-se em termos de amizade ou têm laços sociais um com o outro. O psicanalista chamado a encarregar-se do tratamento da esposa ou do filho de um amigo deve estar preparado para que isso lhes custe essa amizade, qualquer que seja o resultado do tratamento; todavia, terá de fazer o sacrifício, se não puder encontrar um substituto merecedor de confiança.” p. 141.

[…] me acostumei a aceitar, de início apenas provisoriamente, por uma a duas semanas, pacientes dos quais pouco sei. Se durante esse período ocorrer uma interrupção, poupamos ao doente a impressão desagradável de uma tentativa fracassada de cura.

 

“Conferência XXVII: Transferência”. Conferências introdutórias sobre psicanálise (Parte III) (1916-1917). Rio de Janeiro: Imago, 1996. pp. 433-448.

Devemos não esquecer que a doença do paciente, que aceitamos para analisar, não é algo acabado e tornado rígido, mas algo que ainda está crescendo e evoluindo como um organismo vivo. O início do tratamento não põe um fim a essa evolução; quando, porém, o tratamento logra o domínio sobre o paciente, ocorre a totalidade da produção de sua doença concentrar-se em um único ponto – sua relação com o médico.

 


 

LACAN:

 

Estou falando com as paredes. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Todos sabem – alguns o ignoram – da minha insistência nas entrevistas preliminares na análise com aqueles que me pedem orientação. Não há entrada possível na análise sem entrevistas preliminares. (p. 41)

 

O seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

A experiência moral em questão na análise é também aquela que se resume no imperativo original que propõe o que se poderia chamar, no caso, de a ascese freudiana – esse Wo Es war, Soll Ich werden, a que Freud chegou na segunda parte de suas Vorlesungen sobre a psicanálise. Sua raiz nos é dada numa experiência que merece o nome de experiência moral, e situa-se no próprio princípio da entrada do paciente na psicanálise. Esse (eu), com efeito, que deve advir lá onde isso estava, e que a análise nos ensina a avaliar, não é outra coisa senão aquilo cuja raiz já temos nesse (eu) que se interroga sobre o que quer. Ele não é apenas interrogado, mas, quando progride em sua experiência, coloca para si mesmo essa questão, e a coloca para si precisamente no lugar dos imperativos frequentemente estranhos, paradoxais, cruéis que lhe são propostos por sua experiência mórbida. (p.18)

 

O seminário, livro 10: a angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

O neurótico se recusa a dar sua angústia. Vocês verão que saberemos mais a esse respeito, saberemos por quê. Isso é tão verdadeiro, tanto é disso que se trata, que todo o processo, toda a cadeia da análise consiste em que, pelo menos, ele dê o equivalente, pois começa por dar um pouco o seu sintoma. É por essa razão que uma análise, como dizia Freud, começa por uma configuração dos sintomas. Esforçamo-nos por apanhá-lo, Deus meu, em sua própria armadilha. Nunca se pode agir de outro modo com ninguém. O neurótico nos faz uma oferta, em síntese, falaciosa; pois bem, nós a aceitamos. Em vista disso, entramos no jogo por onde ele recorre à demanda. Ele quer que vocês lhe peçam alguma coisa. Como vocês não lhe pedem nada, começa a modular as demandas dele, que vêm no lugar Heim. É essa a primeira entrada na análise. (p.63)

Entra-se na análise por uma porta enigmática, porque a neurose de transferência está aí em todo o mundo, mesmo num ser tão livre quanto Alcibíades. É Agatão que ele ama. É ali que está a transferência, transferência evidente, aquela que com muita frequência chamamos de transferência lateral — embora esse amor seja um amor real. O espantoso é que entramos na análise apesar de tudo o que nos retém na transferência funcionando como real. (p.307)

 

O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

[…] mesmo o analista mais bobo disso se apercebe, reconhece isto, e dirige o analisando para que para ele permanece o sujeito suposto saber. Isto é apenas um detalhe, é quase uma anedota. Entremos agora no exame do que interessa. o analista, eu lhes disse, mantém esse lugar, no que ele é o objeto da transferência. A experiência nos prova que o sujeito, quando entra em análise, está longe de lhe dar esse lugar. Deixemos por enquanto a hipótese cartesiana de que o psicanalista seja enganador. Ela não é para ser absolutamente excluída do contexto fenomenológico de certas entradas em análise. Mas a psicanálise nos mostra que, sobretudo na fase de saída, o que mais limita a confidência do paciente, seu abandono a regra analítica, e a ameaça de que o psicanalista seja, por ele, enganado. (SEM 11, p.221)

 

O seminário, livro 16: de um Outro ao outro  (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Demanda a mais radical, aquela que é feita a nós, analistas, a única que sustenta, em última instância, o discurso do sujeito, a saber, no primeiro momento, eu venho aqui te perguntar quem sou, ao que se responde no nível do Quem é Eu?, recuo proporcionado aqui pela necessidade lógica. Promessa, esperança de reunião desse Eu no S, que designei, na transferência, pela expressão sujeito suposto saber. É o nó, a conjunção primordial, S1 ligado a S2, que fundamenta o que é saber no par ordenado. (p.86)

 

O seminário, livro 19: … ou pior  (1971-1972). Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

Por si só, isso já seria uma razão para enunciar algumas proposições já trilhadas sobre o Um em outro lugar, se não houvesse o seguinte: o primeiro passo da experiência analítica é introduzir nela o Um, como analista que se é. Nós o fazemos dar o passo de entrada, e com isso a primeira forma de manifestação do analisando é censurar o analista por ser apenas um entre muitos. E, desse modo, o que ele manifesta, mas sem se aperceber disso, é claro, é que ele não tem nada a ver com esses outros, e é por isso que gostaria de ficar sozinho com o analista, para que isso faça dois. Ele não sabe que a questão seria dele perceber que dois é esse Um que ele acredita ser, e no qual se trata de ele se dividir. (p.123)

Quando alguém me procura no meu consultório pela primeira vez e eu escando nossa entrada na história com algumas entrevistas preliminares, o importante é a confrontação de corpos. É justamente por isso partir desse encontro de corpos que este não entra mais em questão, a partir do momento em que entramos no discurso analítico. Mas persiste o fato de que, no nível em que funciona o discurso que não é o discurso analítico, coloca-se a questão de como esse discurso conseguiu aprisionar corpos. (p.220)

 


 

MILLER

 

“Clínica irônica”. Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

“Comecemos por descartar todos os fatos”, diz Jean-Jacques magnificamente. Uma análise começa assim. Enquanto não se chega aí, trata-se apenas de entrevistas preliminares. “Associe livremente, diga a verdade, siga adiante com franqueza, não omita nada” quer dizer: “Junte o significante com o significante sem se preocupar com a referência, com a ontologia formal.” (p.195)

 

“suplemento topológico a ‘Uma questão preliminar…’”.  Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

[…] nada melhor do que a entrada em análise para se passar por um desencadeamento da neurose. (p.126)

 

Lógica da cura: seminário realizado por Jacques-Alain Miller, durante o IV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, Demanda e Desejo na Entrada em Análise, de 03 a 07 de setembro de 1993, em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Seção Minas Gerais da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano, 1995.

A entrada em análise não se articula sem a conclusão da cura. e a conclusão da cura. sem a entrada em análise. (p.27)

Deve-se pedir uma entrada em análise, mas o sujeito que faz uma demanda de análise não sabe o que pede. Deve-se somente aceitar uma demanda de análise se, mais além da análise que se pede, o analista consegue entender a análise que o sujeito deseja. É por isso que se necessita não de uma demanda determinada, para que se aceite um sujeito em análise, o de que se necessita é um desejo decidido que não tem nada a ver com o imperativo, com a urgência, com a pressão. O desejo decidido se escuta entre as palavras. (p.45)

Não se trata somente de uma questão de diagnóstico nas entrevistas preliminares, mas da ética, da antecipação da saída do sujeito. (p.50)

 

“O método psicanalítico: Curitiba, 1987”. Lacan elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

Na prática lacaniana, todo paciente é considerado um candidato, e o analista tem de responder com espírito de responsabilidade profunda, e é por isso que a partir das boas-vindas entra em jogo o ato analítico. […] as entrevistas preliminares são consequência direta de precisarmos estruturar as boas-vindas. (p. 224)

Localizar o sujeito não é apenas avaliar-lhe a posição, mas também um ato ético do analista. Como tentei mostrar, o analista, separando enunciado e enunciação ao reformular a demanda e introduzir o mal-entendido, guia o sujeito para o encontro do inconsciente: leva-o ao questionamento de seu desejo e do que pretende dizer quando fala, fazendo-o assim perceber que há sempre uma boca mal-entendida. Esse é um ato de conduzir por parte do analista, já vivido nas entrevistas, preliminares; o tempo da suposta neutralidade vem depois. (p.250)

As entrevistas preliminares não são apenas uma investigação para localizar o sujeito, mas também a mudança efetiva de sua posição. Elas podem transformar a pessoa que está sendo entrevistada em alguém que se refere ao que disse guardando distância do dito. (p.250)

 

Perspectivas dos escritos e outros escritos de Lacan: entre desejo e gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

A entrada em análise tem efeitos naturais, imediatos, efeitos lógicos. Quase sempre são efeitos de alívio, efeitos terapêuticos. Uma análise tem efeitos terapêuticos rápidos, uma análise que começa tem efeitos terapêuticos rápidos. Uma que já possui uma duração tem efeitos não terapêuticos lentos. E pode até mesmo ter efeitos de deterioração. (p.103)

 

O desejo de Lacan: Seminário de Jacques-Alain Miller pronunciado em julho de 1991, no III Encontro do Campo Freudiano no Brasil. Salvador: Seção Bahia da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano, 1995.

Se lemos em Lacan a pergunta sobre seu desejo, como escutar a maneira pela qual ele descreveu sua entrada? Vou traduzir o que diz o texto em “De nossos antecedente”: “Ao passar pelas portas da psicanálise, especialmente a de entrada, imediatamente reconhecemos em sua prática preconceitos muito mais interessantes do que na psiquiatria, porque são preconceitos que devem ser reduzidos em sua escuta fundamental”. Um jovem psiquiatra entrou na psicanálise descrevendo-se como “eu posso ver o que não se pode ver na psicanálise“. Descreveu sua entrada, não como alguém que deve aprender com a humildade de quem atravessa as portas, aspirando ser inteligente mas, pelo contrário, já entrou como um reformador da psicanálise. (p.27)