Eixo 1- Entrevistas preliminares, transferência, interpretação e ato analítico
Luiz Mena (Mais-um), Iordan Gurgel, Claudio Melo, Milena Nadier, Kleyanne Lima, Liliane Sales, Pedro Ivo, Rogério Paes Henriques, Camila Abreu.
Entrevistas preliminares, transferência, interpretação e ato analítico
Frequentar o consultório de um analista não equivale, por si só, a estar em análise. É necessário que se inaugure um espaço de escuta que favoreça a livre associação — não qualquer silêncio, mas aquele que se recusa a ceder à demanda. Um silêncio ético, que não se acomoda nem consola. Jacques-Alain Miller1 propõe uma distinção crucial entre duas modalidades de demanda: a imaginária e a simbólica. Na primeira, insiste a repetição libidinal, perpetuando a regressão a posições infantis, animadas pelo gozo que se infiltra na própria fala. Já a demanda simbólica abre uma hiância, através da qual emerge uma pergunta que se revela como eixo do trabalho analítico: “O que isso quer dizer?”[1]
Na contemporaneidade, contudo, diante da erosão do Nome-do-Pai e da descrença na palavra, o desafio é outro: trata-se de instaurar uma hiância na relação do sujeito com sua fala, promovendo uma suposição de saber em relação ao próprio inconsciente[2]. Mas tal operação só se viabiliza a partir da transferência, esse laço inaugural que enreda amor, saber e gozo[3]. Seu manejo, longe de se apoiar em protocolos, exige uma articulação sutil entre a docilidade e a perturbação, o suficiente para convocar o enigma, mas sem precipitar a fuga provocada por um ato excessivamente disruptivo.
O que pode, então, o analista fazer para promover uma entrada em análise? Eis a questão que orienta esta investigação. Para desdobrá-la, nos deteremos sobre a função das entrevistas preliminares, a lógica da transferência, a potência da interpretação e a aposta no ato analítico.
[1] Miller, J. A (1994). Come iniziano le analisi. Disponível em: https://enapol.com/xi/wp-content/uploads/2023/03/ENAPOL-Jacques-Alain-Miller-PT.pdf. Acesso em: 11 abr. 2025.
[2] Lacan, J. (1988). O seminário livro 7: A ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1959-1960).
[3] Sinatra, E. (2017). Las entrevistas preliminares y la entrada en análisis. Olivos: Grama Ediciones, p. 90.
Eixo 2 – Parcerias sintomáticas contemporâneas: impasses na entrada
Rogério Barros (Mais-um), Júlia Solano, Graziela Vasconcelos, Clara Melo, Júlia Jones, Samyra Assad, Camilla Costa, Virginia Dazzani
Parcerias sintomáticas contemporâneas: impasses na entrada
Há par porque não há relação sexual. Esse pressuposto orienta a ideia central de que a parceria se faz sob o fundo da inexistência da relação[1]. As parcerias, sempre sintomáticas, implicam abordar o sintoma como o que realiza um aparelhamento entre gozo e significante, sendo o objeto a o índice do gozo a ser restituído, suposto no Outro, numa relação com o falasser. É o que Miller apresenta como um novo par: o falasser e o parceiro-sintoma[2].
Sob as mais diversas modalidades de parcerias sintomáticas, a inexistência da relação sexual se manifesta na clínica atual. O século XXI traz a bandeira do direito ao gozo, cuja permissidade inerente ao regime do supereu deflagra sua companheira, a pulsão de morte[3]. A práxis psicanalítica contemporânea revela impasses na entrada em análise, indicando um Outro rompido[4], em consonância com a queda dos ideais[5] e a regressão a um estatuto autoerótico do sintoma[6], cuja alteridade radical é o corpo[7]. Se não há parceria, mas parcerias[8], interessa pensar os obstáculos inerentes à colocação do objeto a no zênite social[9] articulado ao estatuto inexistente do Outro simbólico.
O que se apreende dessas novas parcerias sintomáticas hoje? Que respostas a civilização vem encontrando para inscrever a relação sexual inexistente? De que modo o parceiro-analista joga o seu jogo nas trincheiras do desabono do inconsciente, desresponsabilização sintomática, que indica um desinteresse por uma subjetivação ou causalidade para o mal-estar que toma o corpo, sendo esse mesmo o próprio sintoma da época[10]?
Tal cenário nos permite interrogar o lugar do analista como Sujeito Suposto Saber (SSS), onde o parceiro-analista encontra desafios na concorrência com outros aparelhamentos de gozo[11]. Seria possível pensar, a partir da queda do SSS, algo que indicaria um Sujeito Suposto como operar?
[1] Miller, J.-A. A teoria do parceiro. Em: Escola Brasileira de Psicanálise (Org.). Os circuitos do desejo na vida e na análise. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2000.
[2] Laurent É.; Miller, J.-A. United Symptoms. Em: El Otro que no existe y sus comités de ética. Buenos Aires: Paidós, 2005.
[3] Miller, J.-A. El Otro que no existe y sus comités de ética. Buenos Aires: Paidós, 2010.
[4] Laurent, É. Disrupção do gozo nas loucuras sob transferência. Em: Opção lacaniana, nº 79, São Paulo: Eolia, 2018.
[5] Portillo, R. O declínio do ideal, a exigência de gozo. Em: Latusa digital. ano 2. n. 16 – julho, 2005. Disponível em http://www.latusa.com.br/pdf_latusa_digital_16_a1.pdf. Acesso em 01 maio 2025.
[6] Miller, J.-A. Para uma investigação sobre o gozo autoerótico. Em: Pharmakon digital – A especificidade da toxicomania, vol. 2, novembro, 2016.
[7] Lacan, J. O Seminário, livro 20 – Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
[8] Miller, J.-A. et. al. La pareja y el amor. 1a ed. Buenos Aires: Paidós, 2003.
[9] Miller, J.-A. Uma fantasia. Em: Opção Lacaniana. n. 42, p. 7-18, fev. São Paulo, 2005.
[10] Tizio, H. La función del síntoma. Granada: Editoral Universidad de Granada, 2015.
[11] Miller, J.-A. O osso de uma análise. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Eixo 3 – Entrada em análise, diferença entre Psicanálise e Psicoterapia, fantasma e sintoma analítico
Paulo Gabrielli (Mais-um), Ethel Poll, Graziela Pires, João Klaus Seydel, Marília Santiago, Tânia Porto e Wilker França.
Entrada em análise, diferença entre Psicanálise e Psicoterapia, fantasma e sintoma analítico.
O que leva alguém a procurar um analista? Como se sustenta a diferença entre falar e se implicar no que se diz? No início de uma análise é preciso que o sujeito possa associar livremente e estabelecer outra relação com seu próprio dizer, consentindo com o inconsciente. Não seria essa a diferença principal entre a análise e as psicoterapias?
Para Freud (2011), uma parte do inconsciente diz respeito aos conteúdos recalcados da vida psíquica, e o sintoma, como sua formação, articula-se com algo que retorna sem que o sujeito possa dizer. Trata-se de um enunciado recalcado que subsiste no sujeito como um texto indecifrável.
O sintoma, marcado pela repetição, pode abrir, em sua insistência, a possibilidade de um encontro — uma tykhe — que produza alguma retificação. Para Miller (2011) “o sintoma é um Janus, tem duas caras, uma cara de verdade e uma cara de real” (p. 9). Assim, não se trata de escutar o sintoma analítico como quem escuta um desabafo, mas de fazer a leitura do que ali se repete indicando um modo de gozar. A escuta não busca o sentido, mas os efeitos de enunciação. Não seria esse um primeiro gesto de leitura do sintoma? Como tratar o sintoma não como um desvio a ser corrigido, mas como um acontecimento de corpo que faz furo no saber?
No curso de uma análise, o sujeito se vê confrontado à fantasia, essa moldura que organiza seu modo de gozar e que lhe oferece uma cena para suportar o desejo do Outro. Mas como ela aparece nas entrevistas preliminares? Afinal, o sujeito fala do sintoma, mas silencia sobre o fantasma. Por quê? No neurótico, o conteúdo do fantasma é emprestado de um gozo que ele não reconhece como seu. Miller (2024) aponta que a questão é que o prazer que o falasser obtém do seu fantasma não combina com o resto. Como o analista pode operar para que algo desse circuito se revele, sem se apressar em interpretar?
Este eixo convida a demonstrar como essas e outras questões podem ser desenvolvidas na práxis da experiência analítica, em nossa Jornada Clínica.