Skip to content

Um grito sobre a angústia

por Kleyanne Lima (IPB) e Quezia Menezes
Edvard Munch, “ O Grito”, 1893.

O que falar sobre a angústia, se o que a gente sabe é sentir?  Esse afeto que não engana, segundo Lacan (1962-63/2005), e que é sentido no corpo como um efeito do significante que marca o falasser, angústia que por vezes surge na garganta como um nó. É por meio da angústia que algo do inconsciente emerge e com ele, a possibilidade de um sujeito advir.

Em sua obra expressionista, Munch tenta transmitir as emoções, deixando de lado o equilíbrio formal e contornos não lineares – até então característicos de outros movimentos – buscando, por meio das cores intensas, escuras e do seu traço sinuoso, retratar a dor, o desespero, as sombras da própria angústia humana, de algo incompreensível que está além da simbolização e do que é inalcançável por meio da palavra.

O personagem que captura nosso olhar ao centro da tela parece exibir uma solidão, um desolamento que é próprio do sujeito angustiado. Nessa vertente da angústia que paralisa, o sujeito aparece desolado, à deriva, imerso na solidão, o sujeito grita. Um grito que expressa o real em jogo, num sem sentido e gozo puro, como um apelo ao Outro que, neste momento, se encontra desarticulado e sem falta. Como comenta Miller (2005), é quando alguma coisa aparece no lugar da castração, uma quantidade suplementar de estimulação pulsional, que faz surgir a angústia.

Nessa direção, Munch relata o momento em que esse afeto o atravessa:

“Eu estava a passear cá fora com dois amigos e o sol começava a pôr-se.  De repente, o céu ficou vermelho, cor de sangue. Eu parei, sentia-me exausto e apoiei-me a uma mureta, havia sangue e línguas de fogo por cima do fiorde azul-escuro e da cidade. Os meus amigos continuaram a andar e eu ali fiquei, em pé, a tremer de ansiedade e senti um grito infindável da natureza”.

Munch, esse pintor atravessado por suas paixões, para além do belo e do estético, parece fazer da angústia fundamentalmente humana uma obra de arte. Aqui talvez possamos pensar na possibilidade de um acordo entre significante e gozo, no qual o nó na garganta se desemaranha e de um “Grito” se funda um laço que perpassa épocas.

Diante dessa obra atemporal, somos convocados, juntamente com nossas paixões, a pensar na seguinte questão: qual tratamento possível diante do falasser afetado pela angústia, hoje?

Para Lacan (1960 – 1961/2010), o remédio para a angústia é o desejo e ele só se constitui quando a mesma é ultrapassada. Portanto, é preciso ofertar a quem sofre um lugar onde se possa apostar na palavra, apostar que “o falasser encontre uma invenção que só é compreendida por ele mesmo” (Lima, 2016), uma invenção que possa fazer furo nessa angústia.


Referências
Lacan, J. (1962-63/2005). O Seminário, Livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Lacan, J. (1960- 1961/2010). O Seminário, Livro 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor
 Lima, M. M. (2016). Formação do analista e universidade: algumas assimetrias. Opção Lacaniana online nova série Ano 7, Número 21.
Miller, J. A. (2005). Introdução à leitura do Seminário da Angústia de Jacques Lacan. Opção Lacaniana nº 43, p 73.
Back To Top
Search
Abrir bate-papo
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?