Analícea Calmon AME (EBP/AMP)[1] Para tratar dos afetos em relação ao corpo, remeto-me ao seguinte…
Um grito sobre a angústia
por Kleyanne Lima (IPB) e Quezia Menezes
O que falar sobre a angústia, se o que a gente sabe é sentir? Esse afeto que não engana, segundo Lacan (1962-63/2005), e que é sentido no corpo como um efeito do significante que marca o falasser, angústia que por vezes surge na garganta como um nó. É por meio da angústia que algo do inconsciente emerge e com ele, a possibilidade de um sujeito advir.
Em sua obra expressionista, Munch tenta transmitir as emoções, deixando de lado o equilíbrio formal e contornos não lineares – até então característicos de outros movimentos – buscando, por meio das cores intensas, escuras e do seu traço sinuoso, retratar a dor, o desespero, as sombras da própria angústia humana, de algo incompreensível que está além da simbolização e do que é inalcançável por meio da palavra.
O personagem que captura nosso olhar ao centro da tela parece exibir uma solidão, um desolamento que é próprio do sujeito angustiado. Nessa vertente da angústia que paralisa, o sujeito aparece desolado, à deriva, imerso na solidão, o sujeito grita. Um grito que expressa o real em jogo, num sem sentido e gozo puro, como um apelo ao Outro que, neste momento, se encontra desarticulado e sem falta. Como comenta Miller (2005), é quando alguma coisa aparece no lugar da castração, uma quantidade suplementar de estimulação pulsional, que faz surgir a angústia.
Nessa direção, Munch relata o momento em que esse afeto o atravessa:
“Eu estava a passear cá fora com dois amigos e o sol começava a pôr-se. De repente, o céu ficou vermelho, cor de sangue. Eu parei, sentia-me exausto e apoiei-me a uma mureta, havia sangue e línguas de fogo por cima do fiorde azul-escuro e da cidade. Os meus amigos continuaram a andar e eu ali fiquei, em pé, a tremer de ansiedade e senti um grito infindável da natureza”.
Munch, esse pintor atravessado por suas paixões, para além do belo e do estético, parece fazer da angústia fundamentalmente humana uma obra de arte. Aqui talvez possamos pensar na possibilidade de um acordo entre significante e gozo, no qual o nó na garganta se desemaranha e de um “Grito” se funda um laço que perpassa épocas.
Diante dessa obra atemporal, somos convocados, juntamente com nossas paixões, a pensar na seguinte questão: qual tratamento possível diante do falasser afetado pela angústia, hoje?
Para Lacan (1960 – 1961/2010), o remédio para a angústia é o desejo e ele só se constitui quando a mesma é ultrapassada. Portanto, é preciso ofertar a quem sofre um lugar onde se possa apostar na palavra, apostar que “o falasser encontre uma invenção que só é compreendida por ele mesmo” (Lima, 2016), uma invenção que possa fazer furo nessa angústia.