Analícea Calmon AME (EBP/AMP)[1] Para tratar dos afetos em relação ao corpo, remeto-me ao seguinte…
Paixões do falasser – mortific(a)r ou vivific(a)r
Graziela Vasconcelos (IPB)
Sabemos que Lacan introduz o termo falasser para dizer do sujeito e seu corpo, do sujeito e seu gozo. Uma relação que não passa pela imagem, que é diferente daquela do estádio do espelho, na qual o olhar do Outro permite ao sujeito constituir um corpo. Laurent, em Los objetos de la pasión, vai nos dizer que, ou o sujeito tem uma relação com seu corpo como imagem especular, ou essa relação se dá por meio do gozo proveniente das zonas pulsionais. Ou seja, a relação do sujeito com o corpo se dá pela imagem ou pelo furo. Talvez possamos dizer, essa relação se dá pela mediação do Outro ou em ausência dela, no entanto, em presença do objeto a enquanto furo.
É a partir de Joyce que Lacan vai poder pensar uma relação com o corpo que não passa pela imagem. A perda do corpo, ou seu abandono, após a surra que lhe é dada por alguns companheiros, sem o posterior registro de um corpo infligido, nos mostra que, em Joyce, paradoxalmente, não há uma relação narcísica com a imagem, o que se observa é uma relação narcísica com o que faz furo no corpo, com o objeto a. Está em jogo uma articulação do inconsciente com o real do gozo, por meio do a. O que permite Lacan desenvolver, em seu texto “Televisão”, essa articulação enquanto paixões da alma, ou, como propõe Miller, paixões de a.
Vemos então que, aqui, o Outro não está incluído. Há uma separação que se estabelece por meio do objeto a. Está em jogo, portanto, uma relação com o corpo que passa necessariamente pelo a. Porém, se tomarmos a série das paixões da alma, que Lacan nos apresenta em “Televisão” e o que testemunhamos na clínica do século XXI, parece haver dois modos dessas paixões afetarem um corpo, um modo que sustenta uma articulação com o objeto a, como testemunham o gaio saber, a felicidade e até o mau humor. Outro modo que testemunha um certo desalojamento do objeto a, quando o que se apresenta são casos em que o imperativo anônimo da pulsão ordena ao sujeito um gozar sem tréguas, sem espaço para um corpo falante.
O que faz com que, em muitos sujeitos, o objeto a esteja desalojado de um bom lugar? A nova ordem estabelecida a partir de um enfraquecimento do nome do pai, de uma ascensão do discurso capitalista e coroada pela inexistência do Outro, ao que tudo indica, contribui para o que vemos diariamente na clínica, sujeitos cuja bússola parece ter sido afetada pela anomalia magnética do Atlântico Sul.
Ante a clínica contemporânea, a dos Uns sozinhos, nos restaria, portanto, a intervenção analítica como possibilidade para uma “boa” soldadura entre o saber inconsciente e o gozo, por meio do objeto a?
…Se bastasse cantar compassiva
Pra aplacar a agonia
Nessas terras de gente cativa
De cantar morreria…
Adelio Cogliati/ Eros Ramazzotti/ Pierangelo Cassano