Marcelo Magnelli (EBP/AMP) Estamos nos aproximando do nosso encontro, então, não deixe de acompanhar nosso…
O Tédio do Coronel
Caroline Cabral Quixabeira
Participante da Nova Política da Juventude
Gabriel Garcia Marquez (1927-2014) renomado escritor colombiano, em seu livro “Ninguém Escreve ao Coronel” leva o leitor a viver um recorte de três meses da vida do Coronel[1], entre outubro e dezembro, que espera há 15 anos uma carta. Participante ativo da revolução de Aureliano Buendía, fazendo referência ao livro também de sua autoria, Cem Anos de Solidão, acompanhamos o personagem em sua espera pela confirmação do início do recebimento de sua aposentadoria, como havia sido negociada por Buendía.
Há 15 anos, todas as sextas-feiras, sem falta, o Coronel sobe a ladeira que leva ao porto por onde chegam as cartas por lancha. Acompanha o descarregar dos pacotes, dirige-se aos Correios, espera serem distribuídas todas as cartas, enquanto aguarda ansiosamente a sua vez. Diante do silêncio de quem as distribui, ele pergunta se chegou algo em seu nome e recebe, há quinze anos, a mesma resposta: “Ninguém escreve ao Coronel”. Mas ele aguarda.
Disposto a viver na miséria até que ela chegue, a esposa aponta: “Estamos apodrecendo vivos”, em outro momento, suplica para que ele faça algo diferente além de esperar. O Coronel tenta prover algo além da miséria por meio de um galo de briga deixado pelo falecido filho. Afirma, em outubro, que, no mês de janeiro, o galo dará muito dinheiro, mas até lá, tiram de suas bocas para dar alimento ao animal e, novamente, espera. Espera que a carta chegue e mude sua vida. Espera que o galo ganhe, em janeiro, e sejam capazes de comprar comida.
Heidegger (2011) foi um dos estudiosos que mais dedicou tempo para estudar o tédio e sua relação com a expectativa que surge ao esperar. Em seu livro “Os Conceitos Fundamentais da Metafísica”, desenvolve sobre esse tema ao estudar as dimensões do Dasein, ser-aí. Apresenta o tédio como o que nos aproxima de nós mesmos e a relação do sujeito com o tempo. Ao se deparar com o tédio, o tempo seria alongado, e cada um construiria uma relação com o que o estagna ou o estica. Para ele, existem três níveis de tédio: 1. Quando se entedia por alguma coisa, o que leva a um alongamento do tempo. 2. Entediar-se junto a algo, em que o tempo é estagnado. 3. Entediar alguém, em que estaria localizado o tédio profundo no dasein, que próprio não se reconhece. (Heidegger, 2011)
Em um outro contexto, o tédio é extraído por Miller (2017) do texto “Televisão”, de Lacan (1974/1993), como uma das paixões do parlêtre. Nesse texto, o falasser viria a se encontrar com o tédio na medida que está diante de um Outro do qual nada necessita. Lacan dá o exemplo da beatitude, uma satisfação plena que faz com que o Outro seja identificado como Um e que, como consequência, instaura uma repetição.
Neste caminho, Lacan, em seu Seminário 26, constrói que o tédio é uma percepção dolorosa da repetição, em termos de uma monotonia. Essa coincide com “qualquer coisa da ordem do desgaste da metáfora paterna” (p. 53), presentificando um encontro com um Outro que não é barrado e que pode viver um gozo em que não lhe falte nada. Laurent (2004) acrescenta: “El tedio es siempre del orden del Uno que se repite” (p. 78)
Sobre o tema, Miller (2017) adiciona “el aburrimiento nació un día de la uniformidad” (p. 467). Neste sentido, podemos pensar no que se inscreveu antes mesmo do Coronel esperar a carta, Marquez nos conta: “Havia cinquenta e seis anos – desde que acabara a última guerra civil – que ele não fazia outra coisa senão esperar” (p. 5). Ora, a carta é só mais um Um que lhe posiciona frente ao gozo sem sentido que ele repete, da espera.
Instaurada a monotonia da repetição, passar fome em outubro é o mesmo que passar fome até janeiro. Ao mesmo tempo que nos encontramos com um Coronel vítima de um corpo que sofre ciclicamente com o gozo tedioso da espera sem causar qualquer retificação. “Acontece que, em Outubro, eu me sinto como se estivesse com as tripas cheias de bicho” (p. 14), e mesmo assim, o Outubro chegou como os mesmos outros quinze para ele. Antelo (2017) comenta que, no tédio, uma das paixões do Um, não existe a troca do ruminar pela ação. Neste caso, lemos o padecimento que não conversa com o sentido. (Antelo, 2017)
Ao final, depois de dias e dias de fome, tendo pegado fiado em todas as vendinhas da vila, a esposa do Coronel, suplica-lhe que vendesse os três únicos bens que sobravam: um quadro de ninfa, um relógio de dar corda e o galo. Os dois primeiros ninguém se interessou o bastante e o terceiro, ainda viria a dar dinheiro em janeiro. Desesperada, a esposa do Coronel lhe sacode com força e pergunta: “Diga, o que nós vamos comer?” Ao que o Coronel responde “Merda.”.