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A satisfação no humor, no chiste e no cômico

Fabián Naparstek[1]
Tradução: Marília Santiago (Núcleo da Política da Nova Juventude)

Nas elaborações que realizamos junto aos colegas com os quais trabalhamos para as próximas jornadas, nos detivemos na questão do humor e suas múltiplas variáveis. Um primeiro momento foi dedicado à diferença que Freud estabelece entre o humor, o chiste e o cômico. No caso do chiste, percebe-se bem a participação dos representantes dentro do aparelho psíquico. A condensação e o deslocamento permitem que o movimento dos representantes nos possibilite encontrar o efeito de riso produzido pelo jogo das representações.

Sabemos que, em Freud, a interpretação analítica é correspondente à concepção do inconsciente que ele maneja. Assim, ele afirma que “se a uma pessoa que o ignora ou não esteja habituada, lhe comunicamos a análise de um sonho no qual se evidenciam esses estranhos caminhos – da polissemia da palavra – (essa pessoa) declarará ‘chistosas’ tais interpretações…”[2] Portanto, pode-se dizer, segundo Freud, que a interpretação tem a estrutura do chiste, na medida em que é o “sentido do sem sentido”[3]. Assim, temos então, duas faces para o chiste, quando Freud diz que “tem um núcleo originário de prazer de jogo e uma envoltura de prazer por remoção (da inibição)”[4], sendo esse núcleo a verdadeira fonte de satisfação do chiste, satisfação essa que se encontra no puro jogo de palavras sem sentido, que Freud localiza, em uma primeira etapa, nas crianças. Em seguida, ocorre a razão crítica, que transforma esse absurdo– o puro jogo de palavras – em uma piada – segundo estágio – dar sentido ao sem sentido, ou seja, tornando o absurdo aceitável. Há uma “duplicidade”[5] entre a satisfação do puro sem sentido e o prazer da economia da inibição, da crítica, pela via do sentido. Como propõe Freud, o absurdo enquanto “jogo de palavras”, funciona entre outras modalidades como o equívoco “por homofonia”[6]. Apresenta-se desta forma um núcleo sem sentido envolto em um sentido.

Freud encontra dois tipos de satisfação no chiste: uma se aproxima do chiste como tal, dando sentido ao absurdo, e a outra implica no próprio absurdo, o jogo de palavras. O que fica claramente ressaltado é que esse jogo de palavras encontra seu fundamento na satisfação. Trata-se de uma satisfação sem sentido mesmo, no absurdo, que antes nomeamos como o prazer no puro sem sentido.

Dando um passo além, pode-se considerar a indicação de Lacan, onde ele afirma que “Freud se detém quando descobre o sentido sexual e esse sentido é para ele o lugar onde se detém a estrutura”[7].

Por um lado, todo jogo de palavras convoca o sentido, transformando-se em um enigma a ser decifrado, e como Lacan propõe, “o ápice do sentido é o enigma”[8]. Mas, por outro lado, mostra-se as voltas da palavra que indicam a fuga do sentido, aquele ponto que o sentido não pode capturar. Do mesmo modo, devemos dizer que ambas as faces, de sentido e sem sentido, estão enlaçadas a uma satisfação.

Por sua vez, “poner en cómico”[9] é uma expressão freudiana para se referir à produção do cômico, que não é algo que se faz, mas que “se desvela”[10]; o que se faz — e aqui aparece uma primeira diferença — é o chiste.

O cômico evita o divertimento das palavras, não responde ao inconsciente, vai mais além do sentido e do sem sentido — pode-se concebê-lo como fora do sentido —; mas conserva, em troca, o resultado econômico, indicado pela diferença de energia antes e depois do efeito cômico, que é derivado como resto “inútil”[11] pela risada. Ou seja, o cômico não se faz, porque não responde, como o chiste e a interpretação, ao processo psíquico, ao inconsciente, contudo, se revela — no duplo sentido de ‘encontro’, ‘surpresa’ e ‘tira o véu’.

Assim, o cômico revela um traço em um outro que veneramos — o rebaixa. Freud afirma então que há um desmascaramento — aqui está a noção de descobrir com o significado de ‘tirar o véu’ — dirigido “a pessoas e objetos que aspiram a autoridade e respeito, e que, em algum sentido, são sublimes “[12], alguém que aparece como um “semideus”[13]. Dessa forma, é possível ficar “à vontade”[14] , sendo poupado do ” gasto (psíquico) maior da coerção solene”[15]; podemos, portanto, rir, nos desprender dessa diferença, desse resto inútil. O resto se revela, e agora com a acepção de ‘surpresa’, do ‘encontro’. Há aqui dois efeitos: primeiro, tirar o véu em relação a um outro — Outro, em termos lacanianos; em segundo lugar, com relação ao resto, produzir a surpresa do encontro com esse resto inútil, que Lacan propõe quando sustenta que o cômico puro faz surgir o a[16].

A contingência do cômico irrompe onde começa a primazia do bom sentido, ou seja, “o sentido sob cuja lei estamos todos”[17]. Importante destacar que, todo bom sentido implica também uma versão do gozo possível do Outro que não existe. Entendo assim, essa afirmação de Lacan sobre “o bom sentido, que ademais se pretende sentido comum”: “É o máximo do cômico, só que o cômico, não vem sem o saber da não-relação que está em jogo, no jogo do sexo”[18]. De acordo com os termos apresentados, concebo isso como um jogo que acontece fora do chiste sexual do inconsciente, e se faz as vezes de intérprete.

Por fim, quero apenas lembrar que, como afirmava Henri Bergson, “fora do que é propriamente humano, não há nada cômico”[19]. Este texto foi apresentado pelo autor no IX Encontro do Campo Freudiano; Julho de 1996, Buenos Aires.

Finalmente, Freud não hesita em separar o humor do chiste e do cômico. Ele o situa como um antídoto diante da realidade externa ameaçadora. O eu triunfa frente a tal realidade. O ganho de prazer ocorre – neste caso – a partir da economia de um sofrimento que provém dessa realidade externa. É o triunfo do narcisismo, onde o eu recusa assentir às ofensas que a realidade lhe propõe. Para concluir, ou para continuar no debate, poderíamos situar o valor simbólico da estrutura do chiste, o funcionamento imaginário de extração do objeto na queda da imagem no cômico e a defesa diante do real pelo lado do humor. Todas elas são diferentes ferramentas a serem utilizadas na direção da cura.

Versão Original em espanhol

 


[1] Fabian Naparstek AME (EOL/AMP) é êxtimo do GT coordenado por Tânia Abreu (EBP/AMP). Os demais participantes desse GT são: Bruno Oliveira (IPB), Daniela Nunes Araújo (EBP/AMP), Júlia Jones (IPB), Karynna Nóbrega (EBP/AMP), Luiz Mena (EBP/AMP), Virgínia Dazzani (IPB) e Wilker França (IPB).2- S. Freud: “El chiste y su relación con lo inconsciente”. Amorrortu Ediciones, Tomo VIII, página 165 – 166.
2- S. Freud: "El chiste y su relación con lo inconsciente". Amorrortu Ediciones, Tomo VIII, página 165 – 166.
3- S. Freud: “El chiste y su relación con lo inconsciente”. Pag. 132.
4 – Op; Cit, página 132, nota 17.
5- Op. Cit, página 165.
[6] Op. Cit., página 175 – 176.
[7] J. Lacan : “Autocomentario”. En Uno por Uno  N. 43. Edición Latinoamericana, página 13.
[8] J. Lacan : “Introducción a la edición alemana de un primer volumen de los Escritos”. En  Uno por Uno N. 42 . Edición Latinoamericana, página 9.
[9] Freud, S. (1905) «El chiste y su relación con lo inconsciente», en Obras completas, Madrid, Biblioteca Nueva, 1981. Pag. 1133.
[10] Freud, S. (1905) «El chiste y su relación con lo inconsciente», en Obras completas, Buenos Aires, Amorrortu, 1989. Pag. 180.
[11] Freud, S. (1905) «El chiste y su relación con lo inconsciente», en Obras completas, Madrid, Biblioteca Nueva, 1981. Pág. 1155.
[12] Freud, S. (1905) «El chiste y su relación con lo inconsciente», en Obras completas, Buenos Aires, Amorrortu, 1989. Pag. 190
[13] Op. Cit. : Freud, Pag. 192.
[14] Op. Cit. : Freud, Pag. 191- (Versão em português p.285. Cia das Letras)
[15] Op. Cit. : Freud, Pag. 191- (Versão em português p.285. Cia das Letras)
[16] Lacan, J. (1973) El seminario, libro 11, Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanálisis. Buenos Aires, Paidós, 1986. Pág. 13.
[17] Lacan,  J. (1975) «Autocomentario», en Uno por Uno (Revista Mundial de Psicoanálisis), verano 96, Nº 43, Pag. 16.
[18] Lacan, J. (1974) «Televisión», en Psicoanálisis, radiofonía y televisión, Barcelona, Anagrama, 1977. Pag. 90.
[19] Bergson, H. (1900) La risa. Buenos Aires, Sarpe, 1985. Pag. 26.
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