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As paixões do Falasser

O tema das XXVIII Jornadas da EBP – Ba e XXIV Jornadas do IPB de 2024 foi definido há muitos anos, em novembro de 2000, quando Éric Laurent realizou um seminário na Seção Bahia com o título: As paixões do ser: o amor, o ódio e a ignorância. Ao final de seu Seminário, ele nos convidou a retomar posteriormente o tema a partir das paixões do falasser.

O termo de Lacan, parlêtre, traduzido entre nós por falasser, aponta para uma nova conexão entre as palavras e as coisas, que se ancora fundamentalmente na articulação entre lalangue e o real do gozo, constitutivo do inconsciente real. Esse termo surge após a renovação da clínica psicanalítica através dos nós borromeus, cujas bases se encontram no Seminário 20 de Lacan, Mais, ainda. O termo falasser é introduzido por Lacan em sua segunda conferência sobre James Joyce, na qual ele o define dizendo que o homem “… vive do ser, daí minha expressão de falasser que se substituirá ao Inconsciente de Freud”. Percebemos aqui que Lacan dá um passo a mais em sua teoria, retificando o que havia dito em Televisão. Interrogado por Jacques-Alain Miller sobre o que é o inconsciente, ele afirmou que Freud não havia encontrado palavra melhor. Com esse novo termo, trata-se de pensar o inconsciente em um inédito modo de conexão com a palavra, e assim nos adentramos em uma clínica do inconsciente real, em que as palavras o configuram pelas ressonâncias no corpo vivo, antes mesmo da inscrição da lei fálica advinda do Outro. 

Estamos aqui diante de uma definição de psicanálise em que Lacan deixa claro como é a partir da linguagem, no que ela faz cópula, que é possível dar um suporte àquilo que escapa ao próprio sentido, o inconsciente dito real e o corpo falante.

Poderíamos falar sobre o fogo, não para fazer uma psicanálise do fogaréu das paixões, mas para lembrar com Lacan que “O fogo é real. O real põe fogo em tudo. Mas é um fogo frio. O fogo que queima é uma máscara, se assim posso dizer, do real” (LACAN, Sem. 23, p. 117). Esse é um dizer que orienta, e por isso mesmo é também um ponto de partida. O fogo que arde e queima não é aquele do sentido passional, mas justo o fogo que põe em evidência o quão pouco afim ao sentido estão as paixões do falasser. Elas importam ao analista em formação pelo que testemunham de uma orientação pelo real.

As paixões são uma inflexão feita por Lacan para retomar o termo “afeto” de Freud. Montante afetivo é o termo utilizado por Freud para falar sobre o representante pulsional quantitativo e se distingue das representações ideacionais da pulsão: “… o termo montante afetivo; ele corresponde à pulsão, na medida em que este se desligou da ideia e acha expressão, proporcional à sua quantidade, em processos que são percebidos como afetos” (FREUD, 1915).

Freud destaca três possibilidades para o destino do montante afetivo diante do recalque: a sua supressão (que seria o caso de um recalque bem-sucedido, caso raro); a transformação qualitativa do afeto (que seria o deslocamento do afeto para outras representações provisórias, sublimação?) e, por fim, a transformação do afeto em angústia (quando o montante afetivo não se liga a nenhuma outra representação – o destino privilegiado).

Aqui, dois pontos valem a pena ser retidos: o montante afetivo é a dimensão pulsional que não se presta a ser representável, por isso também é a dimensão pulsional que não pode ser inconsciente. Não há afetos inconscientes. Isso será muito importante notar para não cairmos no engano de acreditar que em Freud há uma afetividade propriamente dita. O montante afetivo é um elemento descritivo da presença daquilo que da pulsão faz fronteira com o psíquico. O afeto é, nessa perspectiva freudiana das pulsões, o elemento propriamente ligado ao vivo do corpo e que, apenas de maneira muito pouco consistente, liga-se temporariamente a representantes do que seriam os estados afetivos

Quando Lacan é interrogado em Televisão, por que não daria ênfase ao tema dos afetos, ele responderá em três pontos: 1) retomando este conceito de afeto em Freud; 2) lembrando de como se dedicou ao tema da angústia em seu seminário com o mesmo título; 3) lembrando o único discurso assegurado sobre o tema: as paixões da alma e suas listas feitas por filósofos como São Tomás de Aquino e Platão. “Quanto a mim, só fiz restabelecer o que Freud enuncia num artigo de 1915 sobre o recalque, e em outros que voltam ao assunto: que o afeto é deslocado”, dirá ele (LACAN, 1974).

Éric Laurent, no seminário As paixões do Ser, lembra do enforma de” Outro, para destacar como a relação do falasser com o corpo está amparada, de um lado, pela imagem especular, mas também, por outro lado, por aquilo que não conforma imagem e que faz furo à representação, o objeto a como consistência lógica, por onde um corpo tem consistência de uma borda, uma consistência muito pouco consistente. 

Ou bem o sujeito tem sua relação com o corpo como imagem, como forma, como Gestalt, ou bem tem uma relação com seu corpo pelo gozo proveniente das zonas erógenas, zonas pulsionais que são furo. Existem, portanto, duas maneiras de saber se se tem um corpo: através da imagem ou através do furo (LAURENT, E. Los objetos de la pasión, p. 50). 

Essas duas vias destacadas por Laurent são as vias por onde poderemos distinguir as paixões do ser: amor, ódio e ignorância e as paixões do falasser: mania, entusiasmo, depressão, tristeza.

Abordaremos, ainda, o lugar do humor nas Paixões do falasser, com destaque, inicialmente ao mau humor. Do que trata o mau humor? Seria o contrário do bom humor? O que está em jogo? 

“Um pecado, um grão de loucura, ou um verdadeiro toque do real?” (LACAN, 2003), esse é o questionamento que Lacan se faz em Televisão sobre o mau humor. Um afeto analítico original e essencial que por propriedade, ao chegar em um corpo, habitaria a linguagem, mas sem encontrar alojamento, “pelo menos não alojamento a seu gosto”. E é justamente por não encontrar alojamento na linguagem que Miller (2010) chama esse afeto de uma das “paixões do objeto a”. Mas o que seria uma paixão do objeto a?

Diferente das paixões do ser, que são paixões que fazem laço com o Outro, as paixões da alma, como Lacan (2003) chamou em Televisão, ou paixões do objeto a, como Miller nomeou, são paixões em que há uma espécie de soldadura entre o saber inconsciente e o gozo. Laurent (2019) coloca as paixões do ser como paixões de alienação ao Outro, enquanto as paixões do a são paixões de separação do Outro. 

Enfim, algo difícil de suportar: um sofrimento provido de algum prazer, ou seja, gozo enquanto uma paixão da qual o falasser padece. Percorreremos essas vias juntamente com nosso convidado, Marcus André Vieira (EBP/AMP) nos dias 25 e 26 de outubro de 2024. Sintam-se convidados a arder conosco no fogo das paixões! Até lá!

Comissão científica

  • Célia Salles
  • Marcelo Veras – coordenador
  • Mônica Hage
  • Pablo Sauce
  • Sonia Vicente
  • Tânia Abreu
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