Zeca Freitas
Se quiséssemos traçar a história do bolero, veríamos que a palavra é localizada na Europa, especificamente na Espanha do final do século XVIII, relacionada a um tipo de dança de salão que acabará influenciando o resto da Europa, resultando, por exemplo, em Ravel e seu bolero. A zarzuela, as sevilhanas, a música franco-haitiana, a ópera alemã, a ópera italiana, a canção napolitana, o canto dos tenores, a guitarra dos moros influenciaram o ouvido harmônico dos primeiros cubanos contagiados nas inúmeras festas que agitavam a Capela de música de Santiago de Cuba.
A via latina do bolero, caribenha, justamente é a que mais nos convoca. Um alfaiate de 25 anos, o rei da trova, compôs o primeiro bolero chamado Tristezas, ou Me entristeces mulher, em uma tarde do verão de 1883, tendo sido gravado em 1906. Pepe Sanchez o canta de noite para os amigos, para os seres que sentem o amor, e o acontecimento passa a se repetir. “Uma peça cadenciosa, mais lenta que a trova tradicional, com um ritmo pausado que era quase como declamar sobre a música do violão”.
O bolero é contar as horas, mandar cartas, oferecer gardênias, morrer de ciúmes, dar boas-vindas à solidão, decretar o esquecimento impossível, rogar por beijos e por olhares, amaldiçoar a amada infiel, o ódio como amor triste, o sabor de nada que fica quando o amor vai embora. Canta a felicidade assim como a lucidez de Vinicius de Moraes, que dizia que ela “brilha tranquila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”.
Nos anos 1930, não somente chega ao Vietnam influenciado pelo Enka japonesa, onde será proibido como música amarela, como também no mundo todo. Lembremos que La última noche que pasé contigo foi proibida pela igreja. Outra derivação da ironia cubana constitui a guajira Guantanamera composta por Moisés Simons, com 160 gravações, um milhão de cópias de LP 78 rotações.
A partir dos anos 1930, a combinação de dança e música chamada de bolero-som passa a ser chamada de rumba, nome mais comercial, com todos os instrumentos puramente percussivos, que passará a ser a mãe da salsa. As performances de cantos, gestos, batidas de palmas e a linguagem do corpo criam laço imediato entre os que o praticam, assim como aperfeiçoam a música popular como instrumento de resistência. Constantes mudanças e derivações como, por exemplo, a bachata, popular hoje em Londres, que nasce nos anos 60 nas periferias de Santo Domingo como ‘bolero do amargue’, melancólico e sensual, romanticoide, dizem os críticos. Senti um clima sonoro semelhante num salão de Arrocha na Liberdade, Salvador, gênero nascido em Candeias, em alguns pagodes, tudo a ver com uma Bahia sensual e dolorida.
Por outro lado, um amigo historiador de música latina, que conheci em Bogotá, César Pagano[1], escreve que no fundo de cada latino-americano há um bolerista dormindo, que a qualquer momento pode despertar e fazer seresta para a primeira mulher que veja. Lembro ainda que o bolero não é romântico, é pós-romântico[2].
Queremos viajar nesta experiência que a Jornada de investigação sobre Eros que a EBP-Bahia e o IPB propõem, junto com nossos músicos, dando o melhor de nós mesmos.