Christian Ríos y Silvia Elena Tendlarz (relatores)
Participam: Mauricio Beltrán, Mirta Berkoff, Nicolás Bousoño, Gabriela Camaly, Mariana Gómez, Marcela Mas, Kuky Mildiner, Irene Greiser, Marta Pagano, Sohar Ruiz, Luis Salamone, Daniel Sillitti, Damián Pérez, Agustín Barandiarán, Rosana Salvatori.
O amor sempre dá o que falar. Mudam os significantes amos com os que se inscreve o discurso amoroso e com eles as modalidades com as que se expressa o amor, mas permanece o real que produz que se sofra e se seja feliz por amor. O contemporâneo se torna um schifter do entrelaçamento do amor, do desejo e do gozo. No entanto, o que há de novo na expressão do amor no século XXI?
Existe uma teoria do amor tanto em Freud quanto em Lacan, como assim também dos avatares que encerra: paixões loucas, ciúmes, infidelidades, sintomas e estragos, arroubos e outros tormentos. Amar torna felizes os amantes, mas não é sem angústia e sem temor, de fato, nunca somos tão desventurados do que quando perdemos nosso objeto de amor, diz Freud. Independentemente da posição sexuada, o parceiro se torna um sintoma, até mesmo um estrago, diz Lacan, posto que diante do vazio da não relação sexual o laço amoroso é sempre sintomático. Trata-se de dar um jeito com o impossível de nomear do gozo e com a não relação sexual. A partir desta perspectiva examinamos alguns tormentos de sempre e outros de nossa época.
O novo no amor
O filósofo coreano Byung Chul-Han propõe em Agonia do Eros[i] que o problema do amor na atualidade é a erosão do Outro. O direito ao gozo de cada um vale mais do que o de qualquer outro. O eros reduzido ao real do gozo não só perfura a poesia própria do amor cortês, mas produz uma deserotização da vida.
Para Han, a experiência erótica se constitui a partir da negatividade da alteridade e nesse sentido, não se pode amar o outro despojado de sua alteridade. A sociedade de consumo tende a fazer desaparecer a negatividade, tudo se aplana e se transforma em superfície, dali que o Outro perde profundidade e se torna um objeto de consumo.
Nesta perspectiva, o amor se torna a sede de sensações agradáveis, porém se perde a dimensão da paixão. Dali que Han proclama com frequência o final do amor diante das possibilidades ilimitadas e da busca de um ideal inalcançável. No inferno do igual o outro não tem lugar. A libido se volta para a própria subjetividade e o mundo se parece a si mesmo, com um declive do amor.
A socióloga Eva Illouz[ii] analisa, a partir de uma nota publicada no jornal The Independent, o tripé capitalismo, consumo e autenticidade. Ali se relatam os preparativos de um homem e de uma mulher antes do primeiro encontro que esperam que culmine em um encontro sexual. Analisam seus comportamentos, o tempo, o dinheiro que suas decisões lhes consomem e como chegarão ao objetivo final.
Illouz afirma, que o capitalismo fez da racionalidade um traço quase onipresente da ação humana. As emoções são produzidas pela complexa indústria das imagens determinadas pela cultura de consumo. Em seus desejos de se tornarem sexualmente atraentes, os sujeitos recorrem a roteiros pré-formatados, a modelos de masculinidade e feminilidade, inscritos no próprio processo de consumir.
Há mil e uma formas de tentar fazer existir a relação sexual, a racionalização do amor, sua transformação em objeto de consumo são algumas delas. Mas sempre permanece o indizível, na que o Sujeito de gozo autoerótico deixa a sós os amantes e o amor se torna o modo de fazer com que o Eros dê um passo para o outro.
A declinação do simbólico, a falta de proibição encarnada no NP traz como consequência um desencanto, uma banalização do laço social, com a contrapartida do empurrão ao pornô que dá conta da ausência da relação sexual. Agora, isto traz também paixões desbordadas que não têm como referentes ao significante amo[iii]. Por acaso pode se pensar diante da deflação do amor em um auge do ódio?[iv]
Se “um novo amor”, como repete Rimbault, é signo da mudança do discurso, diante do real, o amor sempre é novo, cada vez.
O de sempre
Independentemente de que os ciúmes, as infidelidades, os arroubos e o estrago, as inibições e os sintomas, assim como os tormentos e as penúrias que produzem a vida amorosa, tenham sido examinados por Freud e Lacan, devemos dizer que cada caso singular não deixa de nos interrogar. Por isso, apesar do de sempre do amor ser a teoria do amor, o que significa que o essencial se mantém, é um sempre não tudo, já que os significantes amos mudam seus semblantes.
Lacan estuda estes temas, ao longo de seu ensinamento, entrelaçando na clínica os significantes amos da época e, em nossa atualidade, a elevação ao zênite do objeto a tornando-nos consumidores. Dentro das loucuras do amor, uma mulher mantém uma relação enlouquecida com seu “malvado favorito”, o consumo de cocaína se mistura com o consumo da relação amorosa e isto a reenvia ao estrago com sua própria mãe. Outra mulher mistura o consumo de drogas com a marginalização. Enquanto sua relação se torna um extravio sustenta sua fantasia de salvar seu parceiro do consumo. Sustenta assim sua posição de ser a única para esse homem consumido pelas drogas, enquanto ela mesma se identifica a uma posição de dejeto. Um homem consome relações com mulheres degradadas. Não há fantasma de salvação neste caso, mas exercício do gozo com uma mulher objeto em seu fantasma que, à maneira freudiana, escolhe por sua degradação.
Do lado do ciúme, uma série de casos mostra suas manifestações contemporâneas. Um jovem entra em um ataque de ciúme —depois de ela dizer que quando toma vira “putinha”— quando vê no Facebook a foto de sua namorada tomando algo com seus “amigues”. Outro jovem recebe o assédio ciumento de sua namorada pelo que publica no Instagram. Isso produz um efeito inibitório que o paralisa e o extrai do laço com os outros. Em um terceiro caso uma jovem termina com o namorado quando uma antiga amiga dele posta no Facebook uma foto abraçando-o pelo aniversário dele. Em um ataque de ira bate em um vidro e corta a mão. Ou ela se machucava ou o machucava. E literalmente corta. Em todos estes casos de ciúme, não só os corpos estão envolvidos, mas também as imagens virtuais nas redes. O ciúme se produz perante imagens que podem levar a pressupor que o desejo está posto em outra direção. Tornam-se ciúmes eletrônicos onde a paixão da imagem vem ao lugar do gozo do corpo.
O poliamor é um significante que circula em nossa época. Apesar de seus ideais feministas e de sua abertura ao poliamor, uma jovem não pode sustentá-lo quando seu namorado “fica” com sua melhor amiga. Surge então uma catarata de chats em uma demanda de amor que não consegue satisfazer e cuja resposta eletrônica vem ao lugar da espera da carta de amor. Outro jovem a favor do poliamor é preso pelo ciúme quando seu namorado vislumbra a possibilidade de uma relação com um amigo. Descobre que a multiplicação de parceiros anônimos por meio do Tinder não é equivalente à relação não monogâmica com o homem que ama, distinguindo-se assim o gozo solitário com homens anônimos e a direção ao Outro que encerra a experiência amorosa.
O tratamento do corpo fica também envolvido. Um jovem encontra em uma relação amorosa um alívio pontual frente a sua desordem subjetiva que repercute no corpo: cortes, tatuagens, escoriações. Esse amor não foi, mas o amor de transferência do dispositivo analítico possibilitou um esboço de saída sublimatória.
Lacan indica que quando um homem escolhe como parceira a uma mulher de acordo com as suas condições de gozo ela pode funcionar como seu sintoma. Mas a dissimetria faz com que para uma mulher um homem pode se tornar até mesmo um estrago[v]. Advertimos na clínica que o estrago feminino tem diversas caras, como o temor a perder o amor, a angústia pelo possível engano, ou por não ser vista ou desejada. O superego feminino empurra às vezes a uma posição de humilhação ou a se acomodar ao modo de gozo do parceiro[vi], inclusive à demanda do signo de amor sem limite que se torna um tormento[vii]. Por isso, o estrago é a outra cara do amor[viii]. O estrago ressoa também na relação com a mãe para todo ser falante. Do lado feminino se acrescenta a espera de receber a substância feminina do lado da mãe, que nunca é completa[ix]. Na relação com o parceiro pode-se propor um “consentimento subjetivo ao estrago”. Mas, de que consentimento se trata?
Em seu depoimento, María Cristina Giraldo[x] coloca a posição do sujeito com relação ao estrago materno e à separação do Outro operada via a análise. Em seu caso, o arroubo e o êxtase se apresentam como dois significantes que nomeiam o empurrão ao ilimitado do gozo feminino. Arroubo e êxtase se escrevem do lado do não-todo falo. No entanto, enquanto o arroubo parece apresentar-se como um gozo mortificante que tende ao ilimitado, no caso do êxtase, apesar de se tratar da experiência de um gozo não-todo, o falo faz de limite. Pode-se localizar no arroubo ao sujeito envolvido em um gozo estragante, quer dizer, o sujeito mesmo encarnando o sem limite do estrago articulado à loucura materna. A análise lhe faz possível separar-se desse gozo e contar com uma satisfação que para ela tem o traço do êxtase em uma relação com um homem.
Temos também a referência a alguns casos de adolescentes mulheres que se representam em uma identificação ao discurso feminista atual e se amparam em seus pressupostos ideológicos, mas na hora de enfrentar o encontro com o outro sexo, respondem com as manifestações clássicas da estrutura (inibição, sintoma e angústia) e se desvela que, inclusive certas experiências homossexuais, são uma defesa diante do que envolve o encontro efetivo com o Outro sexo.
A questão do corpo surge a partir do estatuto das redes na época atual e a pregnância do peso das imagens enquanto os corpos permanecem sem se encontrar. Mas existe uma diferença entre a dimensão especular do corpo –imaginário especular com o que se arma o corpo do sujeito em sua constituição subjetiva[xi]—, e o imaginário não especularizável que concerne ao corpo afetado por um gozo que não se reflete na imagem especular e que não faz laço. Este gozo é apresentado por Lacan como a “substância gozante” que não só não se reflete no espelho do Outro, mas que além disso também não responde à localização do objeto a nas bordas erógenas do corpo.[xii]
Lacan situa através do arroubo/arrebatamento em Lol V. Stein, na novela de Duras, as relações do sujeito com seu corpo[xiii]. Laurent o coloca como um nó lógico no qual há uma expulsão do sujeito de seu corpo[xiv]. Ao mesmo tempo, em um duplo movimento, quem assiste a essa expulsão fica contaminado. Assim é como Lacan situa na homenagem a Duras que os arrebatados são o casal em uma dança que os solda, é Lol e somos nós mesmos ao sermos arrebatados por Duras com seu relato. Nesse arroubo se franqueia a fronteira do belo, a harmonia da imagem. Miller o vincula ao fato de ter um corpo, o qual pode ser subtraído. É um acontecimento em que se é despojado do corpo e o ser de a três o amarra.[xv]
Consentir e ceder
De que dá testemunho a violência contra as mulheres e o feminicídio? A violência contra as mulheres e o feminicídio põe em cena um tratamento do feminino que vai da modalidade de amores violentos até o assassinato. A mulher como objeto a no ponto zênite dá conta de amores já não abordados através da poesia do amor cortês, em que se evitava o encontro com o corpo da Dama. Ao contrário, no feminicídio essa evitação toma a forma do homicídio, verificando que para um homem, pode não haver maior incômodo do que o corpo de uma mulher.
Um homem bate em sua mulher. Ela o expulsa e depois o perdoa e volta a buscá-lo. Os juízes que puseram uma medida de distanciamento não entendem estas controvérsias. Ela é convocada a se fazer responsável de seu desacato à lei e o juiz indica um tratamento de casal, mas a analista que os recebe indica um tratamento para cada uno. O encontro com um analista faz com que ela se separe deste homem, e a permite a ele vincular os golpes em sua mulher com sua posição de rejeição materna. As posições de gozo não podem ser explicadas pela lei. A rejeição do feminino insiste nos feminicídios nos que homens batem nesse gozo que fica por fora do falo. E por que algumas mulheres consentem os golpes?
Vanessa Springora, em O consentimento (2020)[xvi], relata uma história testemunhal centralizada na relação com Gabriel Matzneff, um famoso escritor francês 33 anos mais velho do que ela, a quem conheceu a seus 13 anos. Com ele se inicia sexualmente. Um dia G vai para a Suíça para fazer uma cura de rejuvenescimento e V decide ler os “livros proibidos”. G escreve que “sai para buscar bundas frescas”, crianças de 11 ou 12 anos em Manila, Filipinas. Surge então a angústia ao perceber que não é a única. Nossa paixão, diz V, teria sido sublime se G tivesse transgredido a lei por amor. V descobre que não era uma história de amor, mas seu desejo por ela fazia parte de seu vício pelo gozo incontrolável.
Aos 25 anos se nomeia como “vítima”, significante que lhe permite separar-se desse gozo devastador e ficar do lado da vida. Mas, por que esta menina cede ao gozo pedófilo de G?
Clotilde Leguil diferencia consentir de ceder[xvii]. Pregunta-se em nome de que o sujeito consente isso que não deseja, por que se deixa fazer, embora tenha que pagar o preço de uma imensa culpabilidade de existir. O livro de Camille Kouchner La Familia Grande, que denuncia o abuso de seu irmão gêmeo de 13 anos pelo padrasto, nos conduz às raízes da experiência enigmática do consentimento. Consentir não é só um fato de sujeito livre, antes toca o mais íntimo de um sujeito que, para existir, tem necessidade de confiar em alguém. Nesse sentido, quem trai um consentimento, manipula a confiança e a fé na palavra. Aos 13 anos, ter confiança é uma condição para existir, é acreditar no Outro.
V consente ao não escolhido e isso retorna como pergunta que culpabiliza: por que me deixei usar assim? A carência de amor e cuidado por parte dos pais encontra um substituto em G: seu “iniciador”, cedendo diante da exigência de sexualidade que ela lê como amor.
A demanda de amor está no coração da experiência amorosa, consentir ao fantasma do outro para se fazer amar, ceder a seu gozo, inclusive a sua violência, faz parte das manifestações manchadas por um gozo não dialetizável. De que modo um sujeito encontra sua saída? A experiência analítica, também um novo amor, poderá dizer algo sobre isso.