Rosa López*
Sigmund Freud ficou estancado no impasse das histéricas, as quais, como algumas feministas, acreditam em uma ontologia do feminino, uma espécie de essência a ser descoberta, seja em si mesmas ou na outra mulher que encarna o ideal. Contra toda ontologia, Lacan argumenta que o sexo é, acima de tudo, algo que se diz. O discurso da histérica não diz tudo, mas faz crer que ela dispõe de um saber em reserva com o qual é capaz de seduzir à maneira de Scheherazade. Por outro lado, a posição feminina propriamente dita não diz tudo, tampouco promete chegar a dizê-lo alguma vez, porque é impossível.
Não procureis pelo lado da verdade, mas sim do gozo
Jacques Lacan não aborda o enigma do feminino pelo lado de uma verdade inconsciente a ser decifrada, nem por ele ser um segredo inconfessado a ser descoberto, muito menos pelo do véu que deveria cair para revelar o que está escondido. Por mais que o rajá entediado exija que, após a queda do último véu, tirem a pele à bailarina, a essência do feminino permanecerá inapreensível pela simples razão de que não existe. O feminino é impossível de dizer e, mais ainda, de velar. Essa forma de pensar o feminino radicaliza a ideia original de Freud, quem chegou a conceber o trauma da castração como o que acontece após a visão da ausência do órgão fálico, na nudez do corpo feminino. Neste ponto, a teoria freudiana coincide com os fantasmas neuróticos, com os quais cada um tenta dar sentido ao inexplicável. Entretanto, se tomarmos o feminino como um real, ao qual nada falta, podemos separá-lo da lógica na qual se joga a partida da verdade: o falo e a castração.
A mulher, como não-toda, veta o universal
Mesmo sem saber, pelo simples fato de acreditar que somos o centro de nosso pequeno mundo, estamos todos colados ao sentido fantasmático da concepção esférica do universo, com um centro em torno do qual o mundo gira como um todo. Lacan, entretanto, nos adverte que o ideal que promove o universo consiste em afirmar que com o logos tudo se arruma bem, quando o que se consegue é fazer fracassar a relação sexual ao modo masculino, ou seja, seguindo a língua do falo e da castração.
Representações como o leito nupcial, o dueto, a alternância ou a carta de amor, são formas de dar a volta em torno da ausência de relação sexual, buscando na cozinha da metafísica, aparelhos que nos tranquilizem e nos permitam falar com tópicos, de modo que nada abale os limites de nosso fantasma. Reconheçamos que esse funcionamento tem suas vantagens porque, no final das contas, nos proporciona o sentimento de que vivemos em um mundo habitável e que temos uma existência insatisfeita, mas não insuportável.
Uma diferença que não é psicológica, mas lógica
Há outro modo de gozar, o gozo feminino, que supõe um veto à promoção do Outro como universo do discurso e como garante do sentido, embora seja difícil conceber que se possa gozar em outra dimensão, mais próxima à angústia, diante do real, do que ao consolo do estabelecido.
Se a diferença entre homem e mulher não pode ser formulada a partir da perspectiva do ser, Lacan procura outra maneira de fazê-lo e escreve suas já famosas fórmulas da sexuação. Nelas, ele coloca a distinção entre duas formas de se posicionar diante da função fálica, com a qual se escreve a perda do gozo no ser falante. Do lado masculino, temos a lógica do todo, porque a relação com a função fálica é da ordem do necessário, enquanto que do lado feminino temos a lógica do não-todo, porque a relação com a função fálica é contingente.
A Mulher (com letras maiúsculas, e no singular) não existe. Com este axioma Lacan nega o universal feminino e, ao mesmo tempo, evoca como a feminilidade se subtrai ao comparecimento no inconsciente.
O gozo feminino é não-todo a respeito do gozo fálico. Elas estão interessadas no falo. Algumas o adoram e, como dizia Freud, às vezes lhes é preciso aceitar o homem como preço para gozar de seu pênis (não se trata aqui do falo simbólico ou imaginário, mas sim do órgão real). Mas, além disso – e aqui reside sua dualidade – também estão interessadas no S(Ⱥ), escritura com a qual Lacan afirma que não há universo de discurso, nem um Outro consistente que garanta o sentido e feche o círculo das representações de nosso mundo. Não há um todo, portanto, não há limites que estabeleçam o que está integrado no conjunto e o que fica segregado dele. Trata-se, claramente, de outra lógica, diferente da masculina, baseada no universal. Entramos, assim, num território que não está determinado pelo ideal, onde o acento não recai tanto sobre a falta, mas sobre a inconsistência. O conjunto não se fecha, portanto, não há nem pertencimento nem exclusão. Não há lei, mas também não há transgressão. Logo, não se trata de um gozo perverso, nem de um amor proibido, nem é um hino à liberdade. Estou ciente de que essa maneira de nos aproximarmos do gozo feminino, expurgando-o de tudo aquilo que não é, mas sem poder dizer o que é, deriva em uma compensação imaginária que confunde o ilimitado com o excessivo, o inclassificável com a loucura, o raro com o estridente. Cometeríamos um erro almodovariano se identificássemos a fenomenologia do gozo feminino com as mulheres à beira de um ataque de nervos.
Do sentido dos ditos ao dizer
A única coisa que pode nos permitir escapar dos efeitos de significação ou de sentido e cernir algo do real é captar o que está em jogo na enunciação no nível do discurso – e isto é o dizer. O enunciado nunca coincide com o enunciação. Nós falamos com o corpo e sem saber.
Nós, psicanalistas, vetamos o sentido dos ditos, mas levamos o dizer muito a sério. Precisamente, é desse dizer que a mulher goza, e aqui reside a diferença a respeito do modo de gozo masculino. Ele buscará essa parte perdida de seu próprio corpo na mulher, o objeto a que, transformado em fetiche, desperta seu desejo e, em todo caso, pode fazer da voz um fetiche, mas não exige que se acompanhe de um dizer. Ela, ao contrário, se engancha na forma erotomaníaca de amor para encontrar esse dizer que, como pura enunciação, faça vibrar seu corpo.
Se o dizer que provém do significante do Outro barrado S (Ⱥ), em seu caráter estranho e insensato, tem efeitos de gozo em uma mulher, é pela mesma razão que a língua materna, inicialmente estranha e incompreensível, provocou os primeiros gozos no corpo.
Enquanto os significantes se articulam nos ditos para produzir efeitos de sentido, o dizer como enunciação se encarna, penetra nos corpos, agita-os em sua condição de corpos sexuados. É por isso que no Seminário Mais, ainda, Lacan não se ocupa da relação entre os significantes, mas da relação entre corpos falados e falantes, diferentemente sexuados, que se juntam na cama.
O Outro gozo é obtido através do partenaire, e na cama? Diferentes leituras
Muitas coisas contraditórias têm sido ditas sobre a relação do gozo Outro com o partenaire. Alguns se autorizam em Lacan para sustentar que é através do homem, atuando como relevo, que a mulher pode acessar esse gozo mais-além do falo, que a faz Outra para si mesma.
Ocasionalmente, ela pode encontrar esse Outro gozo no âmbito da experiência erótica com um homem que funcionará como relevo, especialmente quanto menos apegado esteja ele aos esforços fálicos, mas, como diz Lacan, sempre haverá uma duplicidade no laço, pois, no que diz respeito ao gozo, a mulher se desdobra.
Diante desse gozo “diferente e paralelo do que obtém por ser a mulher do homem”[ii], este último pode se sentir confuso, excluído e, ao mesmo tempo, fascinado pelo mistério que supõe, mas também pode produzir nele um ódio não dialetizável que o leve ao exercício da violência. Alguns homens se queixam do narcisismo feminino, excessivo, que interpretam como vaidade, egoísmo ou frieza, quando o que está em questão é a particularidade de um gozo que não se joga na partida fálica, que rege o encontro sexual e que, acima de tudo, não se ocupa do homem. “O amor que a mulher dá a seu marido não é dirigido ao indivíduo, nem mesmo idealizado, […] mas a um ser mais-além.”[iii]
O gozo feminino: entre o Um do órgão e o Outro do amor
Paradoxalmente, ela se entrega ilimitadamente a um homem e, ao mesmo tempo, nunca se entrega toda. Haverá sempre Outro gozo que não se ocupa do homem, mas se dirige a uma alteridade radical, o lugar de um desejo sem lei ou ideais, de onde emerge um dizer insensato que toca o real de seu corpo.
Deus pode ser uma das figurações imaginárias desse partenaire radicalmente Outro, cujo desejo não está orientado pelo falo, mas também “o amante castrado”, “o homem morto” ou “o incubus ideal”, figuras invocadas por Lacan em “Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina”[iv].
Certas histórias de amor femininas tomam como partenaire um homem castrado (que não é o mesmo que impotente), que consegue aceder ao território feminino, situado mais-além do limite fálico. Nessa zona só se pode entrar armado com um desejo que não teme a ameaça de castração. Desse modo, um homem castrado pode fazer amor com as palavras e tornar-se esse ao menos um que renuncia ao falo por ela, e está disposto a reduzir-se a seu estado de “pura existência”[v].
Há uma diferença entre o ato sexual, comandado pelo gozo fálico, com suas limitações, e fazer amor, que só acontece quando não se o busca, quando algumas palavras do Outro chegam a tocar o real do corpo e provocam isso que chamamos de gozo feminino.
Para as mulheres, não é fácil estar no lado feminino do gozo, “nenhuma suporta ser não-toda”[vi], nos dirá Lacan. Manter uma relação estreita com o Outro barrado e seu estranho desejo é angustiante e, às vezes, leva a um extravio. É por isso que algo da mulher precisa encontrar um nome, mais do que um homem, mesmo que seja ele quem possa lhe proporcionar, através do amor, uma nomeação que lhe dê uma ancoragem e a defenda da angústia. “Sou amada, ergo sou” é o cogito feminino que dá ao amor uma função crucial na existência, pois é somente por essa via, e não pela do saber estabelecido, que ela pode encontrar uma nomeação singular.
Insistimos que não é qualquer um que pode produzir esse efeito sobre uma mulher, pois, para consegui-lo, é necessário que ele o faça desde esse dizer da enunciação que ele mesmo desconhece e que não obedece a nenhuma intencionalidade, dando o que não tem, e em posição sintomática.
Nessas ocasiões afortunadas, o Outro balbucia no homem e, então, ele pode capturá-la da boa maneira[vii]. Mas, convenhamos que enfrentar a feminilidade em sua nudez, sem a roupagem da ilusão fálica, é angustiante. Neste ponto, é preciso coragem para seguir em frente quando se perdeu o marco referencial e se está próximo ao real. Se por acaso ele consegue superar-se e avançar, o homem pode se descobrir em uma dimensão que até então não conhecia e que lhe permite ser homem de uma outra maneira.
Em resumo, há algo na mulher que é impossível de dizer, e isto afeta todos os seres falantes, sem exceção. Diante desse impossível, inúmeras ficções podem ser construídas para lhe dar um sentido, bem como inumeráveis vestimentas para cobri-lo. Mesmo assim, não há como reduzir sua incidência a zero e continuará a produzir a angústia própria da presentificação do real. O processo analítico nos ensina que não se trata nem de compreender nem de dominar, mas de suportar o real de uma outra maneira. Uma maneira menos tola, menos desajeitada e menos violenta.