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Argumento

XXVI JORNADA da EBP-BA – EROSÃO DE EROS 

Não seria mal, digo de passagem, que todo analista comprasse um livrinho de Geologia.
(Lacan, 1953)

Lacan, partindo do inconsciente estruturado como linguagem, cuja ênfase é dada ao significante articulado produzindo sentido, chega à definição do inconsciente como Um, tomado com suas ressonâncias. Isso põe em relevo o amor, o desejo, o gozo e o corpo, signos de uma nova razão nesta era da erosão de Eros.

Nessa perspectiva, somos brindados com Eros, a divindade do amor, que, ao ser tomado na vertente erótica, se refere ao conjunto das tendências sexuais e desejos delas resultantes, possibilitando, com um intrínseco impulso erodível, a vivificação.

Essa afirmação é visível na experiência analítica, em que o analista se presentifica como um vazio, fato clínico que tem como efeito um encontro que ocasiona o nascimento de um novo amor. Observamos aí, sob transferência, o percurso do amor ao Um.

No Seminário 19, Lacan (1971-1972/2012, p. 104) já anunciava que “Eros não é, de maneira alguma, uma tendência para o Um, muito longe disso”. Na verdade, isso não passaria de um mito que, segundo ele, era evocado por Freud: o Um como significante de uma essência do Eros que seria feita da fusão, isto é, que a libido seria o tipo de essência que de dois tenderiam a fazer Um. A oposição entre os sexos se funda num mal-entendido. A esse propósito, no Seminário 20, Lacan retorna com a pergunta: “De que se trata, então, no amor?” “Eros será tensão para o Um?” (LACAN, 1972-1973/1982, p. 13). Em outras palavras, o amor ignora que é apenas desejo de ser Um, o que o torna impotente, conduzindo ao impossível da relação sexual. É nessa via que Lacan afirma que nada se pode dizer do amor, ou seja, que o amor se situa, para todo falasser, na dimensão do não sabido, onde podemos detectar um campo essencialmente erodível que nos indica um “Che vuoi?”, evidenciando que o desejo conduz à falta.

A transferência, numa manobra do tempo, faz surgir, através da demanda, o objeto causa de desejo, tendo como pivô o Falo. Nesse panorama o discurso analítico emerge a cada travessia de um discurso ao outro, evidenciando que o amor é o signo de que trocamos de razão, quer dizer, que mudamos de discurso. É aí que a demanda de amor se presentifica de forma infinita, revelando que se trata de um amor sem referência ao Outro, mas que implica no Um, o que dá acesso ao gozo; ou seja, o amor é tecido no gozo.

Nessa mesma via, detectamos que o gozo é habitado por uma insuficiência que o descompleta, necessariamente. Por essa razão, o gozo obtido nunca é o gozo esperado, e é a essa falha que denominamos S(Ⱥ), o que faz ressaltar o gozo de Um… corpo.

Se temos por definição que a erótica é aquilo que se refere ao desejo, ao desfazer a métrica espacial e perturbar as relações de objeto, ela torna o desejo inaccessível. Por outro lado, se pensamos no gozo, vemos, nas fórmulas da sexuação, que, do lado masculino, o mesmo é localizado e pode ser contabilizado, demonstrando a existência de uma estreita relação com o falo. Do lado feminino, há uma estreita relação com a fala, presentificando um gozo experimentado no corpo e ilimitado, o que evidencia o papel fundamental da demanda de amor na sexualidade feminina, em que, para gozar, é preciso amar. Essa condição apresenta a alternância falar, amar e gozar, o que é resultante da enunciação de que “só o amor permite ao gozo condescender ao desejo” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 197).

O furo como estrutura conduz a busca de uma nova erótica, indicando que o desejo e as tendências sexuais dão a singularidade ao falasser. É assim que Lacan enfoca a questão do amor, a partir de um mais além do falo. Vale lembrar que a função fálica continua permanecendo em relevo nas implicadas redes da significação, pois é o que rege as leis do amor, do desejo e do gozo, evidenciando que as escolhas do falasser estão submetidas a processos lógicos que se sustentam no “não há relação sexual”.

Na clínica contemporânea, afetada pelo discurso capitalista, o falasser se apresenta com um amor fluido, por não consentir que lhe seja instalada a falta. Assentir com a falta que o amor impõe seria a mudança que a transferência produz, não restabelecendo os véus, e sim erodindo os semblantes. A aposta é que o amor de transferência abra pequenas fissuras, escrevendo-se como erosão, para dar conta do mistério do que não funciona. Dessa forma, o amor tanto perfura quanto tampona, tecendo-se, assim, por meio de uma sucessão de buracos amarrados por um fio.

Esperamos que este breve percurso do amor romântico à Erosão de Eros, articulado à experiência analítica, convoque todos a participar, com entusiasmo, da XXVI Jornada da Seção Bahia e da XXII Jornada do Instituto de Psicanálise da Bahia, através de comunicações que devem tomar como base os cinco eixos seguintes:

  1. Marcas, ruínas e restos de amor;
  2. aMortecer;
  3. Amor consentido;
  4. Erótica do extranormativo;
  5. Novo amor, um amor mais digno.
Comissão Científica

Referências:
LACAN, J. O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud (1953-1954) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1983.
LACAN, J. O seminário, livro 10: A angústia. (1962-1963) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
LACAN, J. O seminário, livro 19: …ou pior. (1971-1972) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012.
LACAN, J. O seminário, livro 20: Mais, ainda. (1972-1973) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1982.

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