Editorial
Marcelo Magnelli
Associado do IPB
Neste último número do Boletim Erosditos, passearemos pelo amor – de Freud a Lacan – acompanhando suas declinações e efeitos, sobretudo diante da alteridade radical do Outro, posto em jogo no final de análise. Seguiremos pela insuficiência da literatura em dizer da infidelidade, tanto quanto do apaixonamento, e veremos que algumas invenções contemporâneas (da pornografia ao adultério, do suingue ao poliamor) tentam pasteurizar o impasse entre amor e gozo. Finalmente, conheceremos um pouco do que se escreve, na passagem do impossível ao contingente, dos laços inconscientes entre duas parcerias célebres: Arthur Miller e Marilyn Monroe, e James e Nora Joyce.
Rasuras
As infidelidades, ou a grande crise do desejo
Laura Ferrero
Filósofa e jornalista. Ela trabalha no mundo editorial há anos. Pela Frontera, publicou El Chad: lejos del desencanto, En letras mayúsculas e Miedo de ser William Stoner. Ela mantém o blog Los nosmbres de las cosas.
Hotéis anônimos, malas que se fecham rapidamente e um beijo fugaz nos lábios porque a pressa, como a culpa, não demora a chegar. Restaurantes caros, presentes desproporcionais e a promessa de se ver em breve, quando as agendas voltarem a coincidir novamente, quando as crianças não tiverem partida de futebol e os sogros não prepararem o maldito churrasco no jardim.
O Amor. sempre Outro
Oscar Ventura (EOL/AMP)
Vou orientar-me através de alguns recortes, peças soltas sobre o amor. Primeiro, proponho colocar em tensão um binômio clássico: amor e repetição. Depois, explorar as coordenadas do amor e a sexualidade, assim como formular algumas questões a respeito de seu lugar no mundo contemporâneo. Farei uma breve reflexão sobre o amor e o tempo, para concluir sobre o amor, o ódio e a segregação. Parece um programa de estudo, mas não se alarmem: serão pinceladas sobre essas questões para poder, antes de tudo, oferecer-lhes uma torsão a mais ao tema do amor.
Só, na tua zona de ternura
Caroline Leduc (ECF/AMP)
“E a gente ainda se amará, quando o amor desaparecerá”
A palavra da época, se houvesse uma, poderia ser a de crise: crise econômica, crise de valores, crise de identidades… A partir de agora, a desorientação caracteriza as nossas existências neste mundo que não assimila mais nenhuma teoria sintética – cada uma tendo demonstrado seu impasse particular. O amor, pelo contrário, parece escapar dessa crise generalizada da qual ele aparece como curativo. Que ele seja apresentado como refúgio contra a crise, valor supremo dando sentido à vida ou remédio às nossas feridas identitárias, o amor é o lugar de todos os consensos: lugar comum por excelência, onde se reencontraria uma sociedade finalmente reconciliada com ela mesma.
Biblio-on
Paulo Gabrielli (coordenador da comissão de bibliografia), Carla Fernandes, Luiz Felipe Monteiro, Milena Nadier e Rogerio Barros.
“Aplicando nossa distinção entre as pulsões sexuais e as do eu, devemos reconhecer que a auto-estima depende intimamente da libido narcisista. Aqui somos apoiados por dois fatos undamentais: o de que, nos parafrênicos, a auto-estima aumenta, enquanto que nas neuroses de transferência ela se reduz; e o de que, nas relações amorosas, o fato de não ser amado reduz os sentimentos de auto-estima, enquanto que o de ser amado os aumenta. Como já tivemos ocasião de assinalar, a finalidade e satisfação em uma escolha objetal narcisista consiste em ser amado.
Além disso, é fácil …”
Enxame Cultural
Camila Abreu Costa
Associada do IPB
Marcelo Veras e Mônica Hage (membros da EBP- BA), através de uma live no Instagram, tiveram a oportunidade de realizar uma conversação com Ana Suy, autora do livro A gente mira no amor e acerta na solidão, quando puderam abordar o tema Erosão de Eros que orientou os eixos de trabalhos da jornada de novembro (IPB e EBP-BA).
A conversa, em tom leve, destaca vários pontos que giram em torno do amor. Mônica Hage inicia apontando que há muito esforço em falar de amor, porque é uma experiência que a gente sente no corpo…
Trabalhos do cartel composto por Rogério Barros (mais-um), Milena Nadier, Raquel Matias, Filipe Sampaio e Saulo Cunha
A bela e a fera
Rogério Barros
EBP/AMP
O célebre casal Arthur Miller e Marilyn Monroe, nomeado “a bela e a fera”, ressoa o conto francês de Beaumont e Villeneuve, em que uma camponesa, humilde e dócil, é aprisionada pela Fera como objeto de troca para salvar o pai. Aos poucos, encontra o despertar do amor na figura feia e agressiva da Fera, aceitando desposá-lo, o que, magicamente, faz dele um príncipe. A entrada do amor causa todo o plot twist da trama.
Uma ética do encontro?
Milena Nadier
Associada do IPB
Em “Encontro: do impossível ao contingente”, Pierre Naveau comenta que a comédia do amor se converte em drama quando os enamorados esquecem daquilo que ele opta por nomear como “ética do encontro”. Mas o que seria mesmo isso? Como pensar uma ética desse breve instante de ver ou saber?
Ad(Mirável)
Atividade da Biblioteca da EBP/Bahia (2º semestre)
Raquel Matias
Associada do IPB
As histórias de amor, assim os contos de fada nos assinalaram, começam com um “Era uma vez…”.]
Era uma vez, uma bela menina sem corpo, sem alma, sem nome, e sem uma tecelagem que tivesse a capacidade de produzir uma trama para unir todos esses fios em um só tecido. Havia também uma fera, com uma feroz produção que se fazia através de capturar cenas e contar histórias.
Mas um belo dia se fez o gesto, e do vazio surgiu Marilyn, e como um sopro de uma saia se fez Monroe. Mas permanecia vagando no vazio… Não havia consistência. E o amor seria capaz de lhe dar?
A câma(ra) vazia
Atividade da Biblioteca da EBP/Bahia (2º semestre)
Filipe Souza Sampaio
Associado do IPB
Lendo sobre Marilyn Monroe e buscando o que poderia haver de contingência no seu encontro com Arthur Miller, ocorreu-me algo que Roland Barthes fala no início de seu livro A câmara clara. Ao relatar o encontro que teve com a imagem do irmão de Napoleão, ele diz: “esses são os olhos que viram o imperador”. Ao me recordar dessa passagem, pergunto-me de imediato o que via os olhos de Marilyn, sobretudo no momento em que era olhada.
O Saber depois do frame
Saulo Machado Cunha
Parto da provocação de Lacan acerca do encontro amoroso, a saber, a de que, um dia, ao acaso, os enamorados não desejaram não saber demais. A pergunta que se impôs após as discussões no cartel – a respeito do meu querer “saber demais” – foi a de investigar de que tipo de saber estamos falando, quando do momento do encontro, na relação amorosa. Isso exige alguns apontamentos acerca da linguagem, do ser falante e do corpo. A linguagem é feita de alíngua, diz Lacan, e todo o trabalho dela é a tentativa de produzir um saber sobre os efeitos de alíngua, quais sejam, os afetos. Produzir um saber sobre esses efeitos nos leva a uma definição de saber primeiro como enigma, depois como aquilo que se articula (S1, S2…). No entanto, de que saber se trata, no instante do encontro amoroso, se tomarmos como premissa base a ideia de que, no apaixonamento, a relação sexual para de não se escrever?
Trabalhos do cartel composto por Marcelo Magnelli (mais-um), Nelson Silva, Liliane Sales e Graziela Vasconcelos
Joyce e Nora: a parceria como artifício
Marcelo Magnelli
Associado do IPB
Foi em “um dia de verão de 1904″ que se deu O encontro. James Augustine Aloysius Joyce, 22 anos, flanava por Dublin quando percebeu uma jovem com caminhar elegante. Com seu olho míope, “pára suas orelhas” em Nora Barnacle a partir do grande desembaraçocomo ela o respondeu, permitindo a continuidade da conversa.
Algo nesse encontro toca o mais íntimo de Joyce. Na contingência, algo do Um do gozo, que não cessa de não se escrever, no espaço de um instante, cessa de não se escrever. A cessação da não escritura da não-relação sexual parece fazer inscrever – faz crer – que ela existe. A fantasmática neurótica aponta para essa crença, apagando o efeito de acontecimento de corpo. Com isso, o neurótico “adormece” na história de amor, consumindo o próprio do amor. Esse “próprio” é o exílio
A que serve Nora?
Nelson Matheus Silva
Comecei me questionando se seria Nora um sinthoma para Joyce. Em caso de negativa, qual seria então sua função para ele. Que sua presença física tinha um efeito sobre ele, acredito que não há dúvidas sobre esse ponto. Assim, inicio.
Escrever a relação sexual é uma ilusão, uma miragem, que pode se dar no instante de um encontro. Uma ilusão uma vez que a contingência flui, de imediato, para a necessidade, afastando aquilo que podemos chamar de amor do encontro que o fez nascer. Não é disso, porém, o que se trata na parceria de Joyce e Nora.
Nora, Joyce e o seu saber-fazer com a arte
Liliane Sales
Associada do IPB
Se, como nos ensinou Lacan, o amor é que faz suplência à inexistência da relação sexual, “isso significa que o amor toma seu elã a partir de um impossível”, como afirma Pierre Naveau. Assim, de um lado está a perversão masculina; do outro, o enigma feminino. A parceria se dá por um esforço de poesia e que pede coragem. Coragem que leva a um encontro de sintomas e afetos.
Joyce e Nora, do improvável à existência da relação sexual
Graziela Vasconcelos
Associada do IPB
Se homens e mulheres se constituem de modos distintos, seguindo Freud, isso se dá em razão da relação que cada um tem com o falo, por consequência, com a noção de castração, ou seja, com a ordem simbólica. Isso já nos permite entrever que há algo de um não encontro entre o ser homem e o ser mulher. Lacan, ao avançar, irá nos dizer que essas posições são efeitos de linguagem e que, como em cada sujeito a linguagem incide de um modo, as fantasias e os modos de gozo são também distintos. Portanto, não haveria entre Um e Outro a possibilidade de um encontro, mas, precisamente, há encontro e o que não cessa de não se escrever, contingencial e ilusoriamente, cessa de não se escrever e assim se inscreve.
Acolhimento
Sublime bolero
Zeca Freitas
Se quiséssemos traçar a história do bolero, veríamos que a palavra é localizada na Europa, especificamente na Espanha do final do século XVIII, relacionada a um tipo de dança de salão que acabará influenciando o resto da Europa, resultando, por exemplo, em Ravel e seu bolero. A zarzuela, as sevilhanas, a música franco-haitiana, a ópera alemã, a ópera italiana, a canção napolitana, o canto dos tenores, a guitarra dos moros influenciaram o ouvido harmônico dos primeiros cubanos contagiados nas inúmeras festas que agitavam a Capela de música de Santiago de Cuba.