Milena Nadier
Em “Encontro: do impossível ao contingente”, Pierre Naveau comenta que a comédia do amor se converte em drama quando os enamorados esquecem daquilo que ele opta por nomear como “ética do encontro”[1]. Mas o que seria mesmo isso? Como pensar uma ética desse breve instante de ver ou saber?
Se pensarmos, com Lacan, que todo encontro é lido segundo a lógica instaurada pelo encontro primordial com lalíngua, encontrar a felicidade dependerá da posição subjetiva diante da maldição do sexo. Temos nisso uma chave para pensar o que um sujeito pode ou não fazer com a repetição e o retorno do real: ele pode encontrar o mesmo para fazer igual ou diferente; viver o mesmo de novo ou viver o novo uma vez mais; subjetivar o imprevisto com as mesmas leis ou inventar variações novas para elas. Assim, no instante de ver do encontro, o sujeito é, em tese, sempre feliz. Trata-se de um ponto zero que se abre a alternativas[2].
Poderíamos pensar então que a ética concernente ao encontro estaria na escolha feita diante desse ponto zero ali instaurado. Mas não parece ser apenas isso. Afinal, Naveau está advertindo sobre o drama do amor, algo que parece estar em um tempo posterior à “felicidade” do encontro.
De minha parte, imagino que a pista para acompanhá-lo na proposição dessa ética está em uma das aulas do Seminário 20. Nela, um pouco antes de falar sobre “o destino e o drama do amor” (mesmo tema escolhido ali por Naveau), Lacan menciona que “encarnou” a contingência no para de não se inscrever, pois, de acordo com ele, “[…] aí não há outra coisa senão encontro, o encontro, no parceiro, dos sintomas, dos afetos, de tudo que em cada um marca o traço do seu exílio da relação sexual”[3].
Talvez, então, dizer de uma ética do encontro seria dizer de “como o falasser responderá frente à sua condição estrutural de solidão”[4]. Ou, ainda, dizer “das conseqüências que [este] extrai do encontro com a inexistência da relação sexual e de como lida com a promessa que não se cumpre. Ou seja, de como faz amor e felicidade a partir de um discurso que não seja semblante alheio ao real”[5].
Marilyn e Arthur: muitos encontros ou apenas dois primeiros? Esqueceram da ética do encontro? Ou escolheram diferente? O que cada um fez daquela contingência também me soa difícil precisar, apesar das extensivas narrativas sobre o “casal”. Sinto-me aqui como os escafandristas e sábios de Chico Buarque, em “Futuros amantes”, aqueles que viriam
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização[6]