Colin Wright
Psicanalista e membro e atual secretário da London Society of the New Lacanian School. Professor Associado de Teoria Crítica no Departamento de Cultura, Cinema e Mídia da Universidade de Nottingham, Reino Unido, onde cofundou o Centro de Teoria Crítica.
Hesito em escrever isto por medo de apenas aumentar o rugido ensurdecedor da falação das mídias sociais sobre esse incidente. Mais uma opinião sobre Will Smith esbofetear Chris Rock na premiação do Oscar? Justamente o que o mundo não precisa! Contudo, podemos atravessar todas as fofocas de celebridades e os sinais de virtude que proliferaram em volta desse episódio para perguntar, a nós mesmos, o que isso pode nos ensinar sobre o espetáculo do amor hoje. As próprias palavras de Smith convidam a isso: na tentativa de explicar suas ações, ele declarou que “o amor faz você fazer coisas malucas!”. De fato, faz, Will. Mas que tipo de amor foi esse, e qual loucura?
Na recente edição de La Cause du Désir, Fabián Fajnwaks nos lembra que, em seus últimos ensinamentos, Lacan desenvolveu uma teoria do amor bastante diferente daquela associada ao período da primazia do simbólico[1]. Do amor como uma tentativa de troca de faltas pela mediação do falo e, assim como o manque-à-être, essencialmente narcisista tentativa de receber do Outro um ser compensatório, Fajnwaks mostra que, especialmente com a clínica borromeana, Lacan caminhou para o amor como uma topologia de connexité[2] entre dois saberes no nível do inconsciente real, e então uma espécie de ligação feita a partir do fracasso do inconsciente simbólico para escrever a relação sexual. Utilizando essas coordenadas úteis, onde podemos localizar o amor que parece ter inspirado Will Smith a cometer de forma bastante pública o suicídio da sua carreira?
À primeira vista, a famosa definição de amor de Lacan como “dar o que você não tem para alguém que não o quer” parece manter alguma aquisição[3]. Esse aforismo inicial, claramente, gira em torno da dialética entre “ser e ter” o falo e, emergindo da logificação do Complexo de Édipo por Lacan, implica uma distribuição bastante tradicional de papéis de gênero.
Além disso, podemos perceber que a grosseira (e nada engraçada) piada feita por Rock às custas de Jada Pinkett Smith tocou no fracasso do que Joan Rivière chamou de “mascarada feminina”, na medida em que ele visou a ausência desse traço fetichizado da feminilidade: o cabelo. Brincando com seu público de cinéfilos, a piada de Rock referenciava o filme GI Jane, de 1997, assim como o corte raspado militar que a atriz Demi Moore adotou para retratar a primeira mulher a completar o treinamento de operações especiais do exército dos Estados Unidos. Então, ele comparou Pinkett Smith a uma mulher que, despojada da mascarada que é a feminilidade, parece um homem e compete dessa maneira com os homens no terreno deles. Ainda mais, com sucesso (lembrando que Rivière estava interessada no uso da mascarada por mulheres cada vez mais empoderadas, como estratégia diante da angústia masculina). Nesse sentido, Rock estava instigando o que Judith Butler celebremente chamou de questão de gênero. Sentindo isso, é possível que Will Smith tenha detectado uma alusão na piada de Rock sobre a questão de “quem veste as calças” em um casamento cujas dificuldades, incluindo o caso de Pinkett, foram mostradas publicamente em seu famoso programa Red Table Talk Show.
Seguindo o gracejo de Rock, existiu um momento revelador de hesitação reminiscente do escrito sobre o Tempo Lógico de Lacan, em que um momento similar revela a estrutura da combinatória em que os prisioneiros se encontram[4]. Colaborando com o que se tornou uma convenção no Oscar – a que persevera em uma zombaria maliciosa nas mãos do anfitrião, algo que teve como pioneiro o comediante britânico Ricky Gervais –, Will Smith inicialmente riu da piada de Rock. No entanto, no segundo momento lógico de compreender, esse riso evaporou-se completamente quando ele viu o olhar no rosto de sua esposa. Subtraindo-se ele mesmo do contrato social, tal como Freud mostrou estar envolvido em piadas, Smith pareceu se sentir compelido a mostrar ao mundo, mas acima de tudo à sua esposa, que ele é mais dedicado ao Um supostamente formado pelo ‘Dois’ do casal, do que ao ‘Terceiro’ implícito pelo público do Oscar do qual eles faziam parte. E, também, para mostrar que, naquele casal, ela pode ser o falo para ele, mas ele o tem. Como muitos tem observado (alguns com admiração), o momento de conclusão de Smith, culminando em golpear outro homem menor, mais fraco, teve a aparência de um cavalheirismo cru: ele estava sendo um “homem de fato”, por defender a honra de sua esposa, como se os códigos sociais do amor cortês medieval permanecessem ou fossem corrente nos dias de hoje.
Mas permanecem? Retomando o excelente artigo de Fajnwaks, ele conclui da seguinte forma: “Estamos em uma época que, mais do que nunca, parece informada sobre a inexistência de uma relação sexual que pudesse ser escrita, mas que busca preencher o buraco através do excesso de gozo”[5]. O desejo fálico, elevado a uma arte no amor cortês, era um tratamento e uma defesa contra o gozo, mas o que parece ter sido literalmente encenado[6] por esses atores é apenas um semblante oco disso. Quanto mais difícil e violentamente se tenta encarnar os códigos antigos de cavalaria do passado, quando se acreditava que o Outro existia, mais uma atuação [acting(out)] aparece exagerada e pouco convincente. E como uma celebridade sendo claramente gozada pelo mercado mais do que ela goza, Pinkett Smith parece incapaz de renunciar ao gozo de uma intimidade mercantilizada, exposta para consumo público: adepta a esse uso da mascarada que envolve mostrar tudo, ela fez questão de dedicar o episódio seguinte de Red Table Talk Show para a “cura profunda” necessária para a família Smith após o incidente do Oscar. Isso levou a visualizações que apenas rivalizaram com o episódio em que o casal discutiu seu caso. Uma confessional, “quase-terapêutica” abordagem da não-relação, torna-se o próprio estilo de uma tentativa de relação amorosa.
Se Smith estava por sua própria conta motivado por l’amour, o que ele golpeou não foi apenas o rosto de Rock, mas sem dúvida o amuro: a parede que oferece uma superfície de inscrição para a relação sexual, mas que simultaneamente garante que a relação não cessará de não se escrever. Na era da ascensão ao zênite do objeto a no mercado, é claramente difícil não continuar batendo a cabeça contra a parede desse amor que não admite falta.