Eixos Temáticos
1. Marcas, ruínas e restos de amor
Como os sexos se escolhem e como se escolhem os sexos? Como se relacionam? O que os atrai e os afasta?
A separação absoluta do objeto de amor nos expõe ao impossível do real, provocando uma dor que o discurso do analista testemunha como uma das mais difíceis de suportar e que chega ao ponto de ameaçar a própria vida.
Na série das inexistências da relação sexual, da mulher e do Outro, restou o amor; ou também ele está ameaçado de não mais existir? O sofrimento de perda provocado pelo rompimento do laço social na parceria amorosa é um indicador confiável de sua precária existência? O amor seria um dos poucos remanescentes da tragédia humana capaz de sustentar a esperança de construção da sintaxe de uma língua que suporte uma nova razão e o abandono das velhas formas? Quais são suas marcas, suas pegadas? Como identificar seus restos? Suas ruínas evidenciam o fim próximo ou podem ser consideradas como o início de uma nova criação? Existe cumplicidade entre a separação amorosa e a pulsão de morte? Qual articulação há entre o gozo e o amor como acontecimento de pura contingência?
Paulo Gabrielli
2. (a)mortecer
A transferência provoca fissuras na pedra dura do gozo mortífero.
O amor tece a transferência.
Desde o início da prática analítica, Freud identifica o surgimento de algo inesperado e produzido pela própria experiência – o amor transferencial, que tem suas raízes na crença e no amor ao pai: pai ideal, todo saber, não castrado. O sujeito neurótico sustenta a esperança de saber sobre a causa e o sentido do que lhe acontece. Ao acreditar no sintoma, ao falar, ele atribui ao Outro algo de si, e o amor passa a ser transferido ao analista. Disso resulta uma conexão íntima do amor com a palavra, sobretudo com a fala. Falar já permite entrar na metáfora e no amor. Não estaria aí a possibilidade de o amor estar sujeito aos equívocos e mal-entendidos da linguagem?
No último ensino de Lacan, o inconsciente passa a ser abordado na dimensão do Um que dialoga sozinho. Como pensar a transferência considerando a queda da crença na existência do Outro? No Seminário 20, Lacan faz uma equivalência entre o amor e o muro, trazendo a palavra amuro para mostrar que a fala do amor tem um duplo endereçamento: pode se dirigir ao Outro do amor, mas, ao mesmo tempo, pode se dirigir às paredes, a um falar sozinho. O muro evidencia a relação de cada um com o que lhe satisfaz. Assim, Lacan aproxima o amor e o gozo. O analista, concebido como furo e como sinthoma, permite que o saber passe a se apresentar como um saber sobre o gozo. Daí, “falar do amor” pode ser, em si mesmo, uma forma de gozar.
Fátima Sarmento
3. O amor (com)sentido
O percurso de uma análise requer consentimento ao inconsciente, lugar por excelência do desejo. Este, ao se constituir, faz cair o objeto de gozo e passa a ser suportado pelo objeto da fantasia. O falo, instrumento do desejo, na perspectiva de um mais além, ao se articular ao amor de transferência, marca a separação entre gozo e desejo, revelando a tessitura do amor no gozo. O amor, (com)sentido pelas vias do mal-entendido, (sem)sentido, permite ao gozo condescender ao desejo. Assim, é possível pensar o amor como sublimação? O amor, enquanto contingente, visa ao ser, o que na linguagem mais escapa. Sendo assim, a reciprocidade refere-se ao amor enquanto significante ou enquanto signo?
Analícea Calmon
4. Erótica do extranormativo
Sabemos que a psicanálise, desde Freud, parte do princípio de uma falha estrutural. Essa falha, para Lacan, é da impossibilidade da relação sexual, nunca preenchendo a distância de um sexo a outro.
Jacques-Alain Miller argumenta que a ausência de relação sexual torna inválida a noção de saúde mental e de qualquer pretensa volta a uma normalidade que não existe. Ele ainda coloca a Erótica como o que se opõe à saúde mental e sua terapêutica.
O desejo opõe-se a qualquer norma, e a psicanálise é a experiência que permite ao humano explicitá-lo na sua singularidade.
Sabemos, também com Lacan, que é o desejo do analista que dá lugar para o singular aparecer numa análise. Cada ser falante, na autenticidade de seu desejo, inscreve justamente o contrário do que seria a ordem normativa.
Perguntamo-nos então:
– De que maneira essa Erótica se apresentaria, na nossa clínica, a partir do impossível da relação sexual, de um lado e de outro das fórmulas da sexuação?
– Que modos de escrever o gozo, já que nas fórmulas da sexuação trata-se da escrita do gozo para cada ser falante?
– Quais distinções temos como exemplo de respostas a essa erótica?
Nora Gonçalves
5. Novo amor, um amor mais digno
Na experiência analítica, fazemos um percurso que se delineia do amor de transferência, sustentado no Sujeito Suposto Saber, até o Um. O vazio, realçado pelo desejo do analista, promove um encontro com o real, deixando entrever que o mal-entendido e o desencontro constantes não significam o fracasso do amor, mas, sim, demonstram que é na falha, na erosão, que ele se expande, possibilitando, sob transferência, o advir de um novo amor, cuja função é fazer suplência à relação sexual que não existe. Como podemos conjugar o vazio necessário ao estabelecimento da transferência com o que entendemos como presença do analista?
Nessa via, o fracasso amoroso deixa transparecer o amódio, o que ressalta no amor o S(Ⱥ). O Outro não tem o significante que possa dizer do ser. Assim, gozar do amor pela demanda infinita de ser amado lança o falasser à solidão estrutural do Um, efeito de uma análise que deixa signos de uma nova parceria sinthomática. Trata-se de um amor tecido no gozo, um amor como acontecimento de corpo, ou seja, um amor sem Outro, mas, vale ressaltar, não sem Um.
Estaria aí o amor mais digno?