Pela luz dos olhos teus
Tempo de interpretar. Com esse tema, a Jornada da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Bahia reafirma o lugar da prática psicanalítica sem renunciar ao horizonte de nossa época, levando assim às últimas consequências o ensino de Lacan.
Gostaria de agradecer pelo convite a pensar numa questão que considero muito importante, não só para a clínica do autismo, mas que repercute bem na psicanálise: Interpretar no autismo é possível? O trabalho do Núcleo de Pesquisa sobre o autismo da EBP – seção PE (2018-19) tem sido um debruçar sobre o livro de Maleval “O autista e sua voz”, onde cada participante busca responder uma questão por si formulada. Nessa obra pude observar a partir da minha leitura a convocação de Maleval para que escutemos os autistas, considerando que no autismo há “uma dificuldade em tomar autenticamente a palavra”(p.16). Ele faz um alerta e crítica, apoiado no testemunho dos autistas, àqueles que em nome da “interpretação psicanalítica” fazem verdadeiras “intervenções medievais”.
Considerando que não há recalque no autismo, afirma que “nem interpretações orientadas para rememoração de sua história, nem aquelas que fazem ressoar o cristal da língua são apropriadas”(p.20) . Alerta, ainda, para que o praticante da psicanálise não entre com suas fantasias reafirmando que se trata de mundos distintos. Sabemos que não há interpretação sem transferência e no autismo é possível e necessário considerar a transferência que se passa pelo duplo.
Miguel Bassols em sua preciosa entrevista concedida ao “Boletim 2” , aborda a modificação que a interpretação teve ao longo do ensino de Lacan. Chega portanto à ideia que a interpretação é um dizer, ela não depende de uma enunciação. Não é um enunciado mas ato de uma enunciação, algo que toca o real em um sujeito. Essas palavras de Bassols me fizeram relembrar uma passagem clínica: João já com 5 anos, não falava, corria pela sala e se escondia atrás de um pequeno móvel que estava com a gaveta aberta e depois aparecia. Com repetições velozes e risos, repentinamente ele se choca na quina da gaveta, vira-se sem emitir nenhum som e os nossos olhos se cruzam. A analista muito assustada com a pancada se antecipa até ele, tocando seu corpo e diz: dói,dói… Encerra a sessão dizendo precisar comunicar a sua mãe o que ocorreu. Nas sessões seguintes começam a aparecer novos significantes: João começa a falar, diz à mãe que caiu na escola, que chorou, etc.
Marie Hèléne Brousse, em seu texto “Os limites da interpretação”, nos diz que “para que um significante tenha efeito de verdade – efeito de forçamento –, é preciso que ele pertença à lalingua do sujeito, que ele faça real, que ele pertença à materialidade significante sonora”. Neste sentido, que ele seja retirado do corpo vivo como um dizer, um movimento de dizer, mas que ao mesmo tempo ele faça real…”. (p. 36)
Poderíamos pensar que estaríamos diante de um exemplo de interpretação em ato quando a analista toca o corpo de João, acompanhado com a oferta do significante “dói, dói”? Considerando ainda, que houve a extração do objeto voz. Vamos conversando…