![](http://www.ebpbahia.com.br/jornadas/2018/wp-content/uploads/2018/06/foto_bruno.jpg)
Bruno de Oliveira – Associado do IPB-BA
Em Prometeu acorrentado, de Ésquilo, somos apresentados ao mito de Prometeu, um titã que usurpa dos deuses o fogo e o entrega às mãos dos homens. Segundo o mito, é do ato transgressor de Prometeu que a humanidade recebe a sua criatividade, o seu espírito e a sua paixão, ou seja, o homem passa a ser aquele que produz um saber. O fogo é o saber.
Tal qual na essência desse mito, onde o saber perde o estatuto do particular e se torna compartilhado, a fala de Nelson Pretto, convidado da EBP-BA, discorre sobre a “Intimidade em cena: diálogos com a comunicação”. Para Pretto, a partir da década de 60, ocorreu uma expansão da mídia de massa onde não havia a intimidade em cena, mas a passividade do sujeito regido por uma lógica de homogeneização, um padrão global, comandado por poucas corporações em uma perspectiva de dominação. As grandes mídias, então, encarnavam o papel do mestre ditando as normas e os gostos sociais. O sujeito aqui, tal como no discurso do mestre, não entrava em cena.
Paralelamente, surgem os primeiros trabalhos voltados à construção de novas tecnologias permitindo, a princípio, que poucos jovens gradualmente provocassem uma alteração crucial no discurso vigente, construindo o que mais tarde viria a ser conhecido como internet. Como Prometeu, os jovens dos anos sessenta, descritos por Pretto como “cabeludos e revolucionários”, promoveram uma mudança no discurso de uma geração ao usurpar o saber da detenção monopolizada das mídias de massa, colocando em evidência o sujeito e consequentemente a sua entrada em cena.
Esses hackers da era da internet pautaram sua ética desafiando a ordem estabelecida das grandes mídias e adotando a liberdade de expressão na divulgação do conhecimento. O sujeito da contemporaneidade, tal como no mito grego, é convocado a aparecer como condição de sua existência através dos diversos gadgets que proliferam na atualidade.
Para Pretto, estes gadgets passaram a fazer parte de nós mesmos. Para a psicanálise, essa fusão não é sem consequências na relação do sujeito com o Outro, pois, com a incidência do discurso capitalista, é preciso estar atento ao que entra, de fato, em cena.
De acordo com Miller (2016), o saber na contemporaneidade está no bolso, ou seja, nos gadgets. Com o capitalismo e sua produção desenfreada de objetos, o discurso do mestre passa por uma mutação onde o sujeito entra em cena obturado pelo objeto em uma relação de mais-de-gozar incessante onde o Outro, foracluído dessa relação, ocupa agora a posição de espectador. Em outras palavras, o que se vê, de fato, no abrir das cortinas do palco da contemporaneidade é um gozo exibicionista, relutante ao laço. Ao sujeito, desvanecido, lhe resta os bastidores, pois nada quer saber sobre esse gozo.
Prometeu, do grego Promethéus ou antevisão, pressupõe o ato de antever, de visão antecipada que remete ao desejo de saber. Contrariamente, o que entra em cena atualmente é um efeito antiprometeu, um rechaço ao saber em prol de um empuxo ao gozo desmedido. Afinal, se levarmos em consideração que a “extimidade” requer um endereçamento de uma falta ao Outro, o que entra em cena na contemporaneidade do mais-de-gozar é a intimidade ou justamente a tentativa de sua anulação?