Na clínica da psicose, sob transferência, temos de nos referir a 2 textos fundamentais: “O caso Schreber” (Freud) e “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” (Lacan). E, à lógica do Discurso analítico articulando o sujeito psicótico e o Outro da linguagem.
Em Schreber encontramos sua relação terapêutica transferencial com seu psiquiatra, Flechsig. Que, inicialmente na posição de amado – num primeiro – será posto hostilmente na posição de um inimigo “ativamente” maldoso.
Duas posições subjetivas, na transferência, do sujeito psicótico. Efeito de suas posições de gozo no que Lacan chamou Automatismo mental (a/S2). Que as revela, enquanto sujeito, na sua relação com os “representantes encarnados”, desse Outro (Flechsig). Posição de objeto erótico gozado pelo Outro (erotomania de transferência/psicose passional) e de S2, enquanto máquina de significar delirantemente, perseguido por um Outro mau ( transferência persecutória).
As duas vertentes transferenciais que Lacan nos aponta em seu texto dos Escritos (pg. 580-Ed. Br. J.Zahar Ed.)
“Deixaremos neste ponto, por ora, essa questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, que introduz, como vemos, a concepção a ser formada do manejo, nesse tratamento, da transferência”
Ou seja: não há lugar para interpretação na psicose! E, sim, manobras na transferência. Interpretação, aí, só a delirante (por parte do psicótico).
Que manobras?
O psicótico se aloja no Discurso analítico enquanto sujeito dividido. Não, o representado por um significante (S1) para outro significante (S2) como o neurótico. E, sim, enquanto sujeito dividido em duas posições no automatismo mental (um objeto vocal) que se alternam, na transferência, com a pessoa do analista. Pessoa, desde que, na estrutura psicótica, o significante do N-Pai foracluído na dimensão simbólica, no eixo Simbólico, no Esquema Z (A____S), a relação com o analista se desenvolverá no eixo Imaginário (a’_____a), nas relações do Eu (a’) com seu semelhante, o próximo, o vizinho (a), encarnado pela pessoa do analista.
No tratamento, essa dimensão transferencial imaginária, coloca o sujeito em posição de objeto gozado erotomanamente pelo analista e o sujeito tenta sair dessa posição via transferência delirante persecutória (às vezes a solucionando via passagem ao ato) com o analista enquanto perseguidor. Temos, então, manobras na transferência via:
- vínculo frouxo transferencial: afrouxando o vínculo transferencial, com intervalos temporais cronológicos mais longos entre as sessões, redução do tempo delas, por ex. Diminuindo, afrouxando o tensionamento desse vínculo, com alongamento da distância entre a’ (paciente ) e a (analista). Reduzindo, temperando o gozo do sujeito na posição de objeto.
- trivialização da transferência: manobra do analista no sentido de trabalhar contra o “rumo” tomado pelo sujeito de construir uma solução para a foraclusão com a construção de uma metáfora delirante como ponto de estabilização. Posição ética do analista no tratamento contra a metáfora delirante, contra o Freud e Lacan de Schreber.
Enquanto secretário do alienado privilegiando a posição do paciente no cotidiano, diante/na realidade objetiva. Não há lugar, aí, para a posição do analista enquanto testemunha (Freud/Lacan), quando falam do delírio como uma tentativa de cura na psicose, uma “autocura” fora da transferência. Em Lacan, com Joyce, via topologia, dos enlaces e desenlaces borromeanos por parte do sujeito psicótico não há lugar aí para o analista testemunha (do delírio como uma produção terapêutica por parte do sujeito). Trata-se de um trabalho contra a metáfora delirante, contra a transferência delirante. Se Schreber aparece como um inconsciente a céu aberto, Joyce aparece como um desabonado do inconsciente enquanto linguagem, que encontramos nesse primeiro ensino de Lacan.
Nessa clínica, Miller propõe a categoria operacional: psicose ordinária. Sujeitos psicóticos patoplàsticamente neuróticos que não apresentam uma fantasia fundamental neurótica. Em seu texto “Efeito de retorno às psicoses ordinárias” fala de transtorno na disjunção mais íntima do ser, em três externalidades: social, corporal e subjetiva. Onde constatamos uma externalidade nas três dimensões: S, I, R. E, desde quando apelamos a essa categoria operacional devemos pensar em que formas da estrutura psicótica nos encontramos na clínica. E, a transferência, no que dissemos antes, está aí presente… São “psicoses traiçoeiras, que subitamente podem desencadear, tornarem-se extraordinárias a partir do encontro com um real da castração na vida cotidiana. Estamos mais do que nunca em tempos de clínica da psicose. Na função de secretários dos enlaces e desenlaces borromeanos que os sujeitos nos trazem. E, nessa clínica, sob transferência, isso nos requer: escuta afiada, cálculo clínico, prudência e humildade terapêutica. A prótese química nesses casos tem um lugar considerando o fármaco no Nó de Borromeu e a transferência.