A Revista da Eurofederação de Psicanálise (EFP) Mental, de número 35, reúne trabalhos de diversos autores sobre o tema dos “Signos discretos nas psicoses ordinárias”. A edição, dirigida por Jean-Daniel Matet e editada Clotilde Leguil, traz importantes contribuições de psicanalistas do campo freudiano sobre a fineza clínica necessária para acompanhar os desenvolvimentos do ultimíssimo ensino de Lacan, em que o Nome-do-Pai é colocado como um semblante, e o diagnóstico diferencial não mais se evidencia tão claramente através da sua presença ou ausência.
O título “Signos discretos nas psicoses ordinárias”, foi inicialmente utilizado pelo Congresso da NLS, organizado por Yves Vanderveken em Dublin, no mês de julho de 2016. Nesse momento, a referência aos “signos discretos” indicava a orientação dos psicanalistas lacanianos a época atual, em que evidenciamos o “fim da ordem simbólica” (Leguil, 2017, p. 11).
Congruente ao axioma todos somos loucos, no seu ultimo ensino, Lacan interroga os elementos sutis que nos permitirão orientar a clínica e conduzir o tratamento. Clínica nodal, dos gozos, em que o simbólico não ocupa lugar superior entre os registros, sendo, em sua heterogenia, mais um entre eles.
Nessa publicação, retoma-se a formulação de Miller sobre as psicoses ordinárias, considerando a sua pertinência especialmente no campo da prática clínica. Mais além dos sistemas de categorização que nos permitiram realizar a repartição dos seres falantes em neuróticos e psicóticos, orientar-se na epistemologia do que de ordinário há na psicose, nos remete a atentar aos signos discretos, as sutilizas e delicadezas do caso a caso, modos singulares de amarração dos registros.
Assim, como enuncia Mahjoub (2017), debruçar-nos sobre os signos, e não sobre os significantes, nos conduz exatamente ao que toca o real da experiência, e não ao que, encadeado, fazendo par, faz sentido. Signo que nada quer dizer, mas que, estando no terreno da linguagem, deixa antever o efeito sobre o corpo. Interessa, nessa perspectiva, o real da estrutura e os modos como cada falasser pôde solucionar o seu encontro com a nãorelação.
Como pontua Bassols (2017), se o nosso Google Earth psicanalítico servia para localizar com clareza as fronteiras entre as psicoses e as neuroses com as ferramentas encontradas no primeiro ensino de Lacan, no último, os terrenos não se mostram mais tão claramente distinguíveis. Para Bassols, o significante “psicose ordinária” vem, justamente, nomear essa terra incógnita, estando os seus signos espalhados por toda a parte, convocando-nos a rever as nossas categorias clínicas.
A passagem dos signos ostentatórios aos signos discretos (Leguil, 2017), nos faz ver aquilo que Lacan já enunciava: “a psicanalise muda. Isso é um fato” (Lacan apud Vanderveken, 2017). O binário clássico neurose e psicose, a despeito da sua eficácia, apresenta-se limitado (Vanderveken, 2017). Avançar na investigação sobre as compensações e suplências frente ao furo estrutural abre espaço a um campo novo e profícuo de exploração, podendo ir além dos impasses encontrados com as ferramentas do primeiro ensino. Frente ao ordinário da foraclusão generalizada, resta-nos estarmos atentos à invenção sutil, discreta, em forma de sinal e sem ostentação: uma clínica minimalista.