O livro recentemente relançado por Jésus Santiago, A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência, é uma versão ampliada, fruto de sua tese de Doutorado defendida na Universidade de Paris VIII, no departamento de Psicanálise, sob a direção de Jacques-Allain Miller. Uma curiosidade atrelada a este trabalho: Jésus esteve presente na conversação de Arcachon, que é contemporânea da tese. Na discussão Miller o convida a comentar um caso de toxicomania e, desde aquele momento, defende que a toxicomania é um paradigma da psicose ordinária que, em 1998, começava a ser um programa de investigação no Campo Freudiano.
A clínica da toxicomania destaca-se na atualidade, em que o discurso do capitalismo, associado ao discurso da ciência, é o que domina. Nesta obra, Jésus ressalta que a satisfação tóxica se constitui como uma saída que fixa o toxicômano na autossuficiência com o gozo do corpo. Para isso utiliza-se da tese proposta por Miller do gozo cínico como uma nova modalidade de sintoma, diante do qual as estruturas clínicas clássicas não são mais suficientes para acompanhar, aproximando a toxicomania da psicose ordinária. Esta insuficiência traz dificuldades à pratica psicanalítica, já que o gozo do toxicômano se apresenta impermeável à palavra e consequentemente, ao sujeito suposto saber.
O sintoma como uma metáfora não se aplica ao tratamento da toxicomania, mostrando que o modo de gozo do toxicômano deve ser lido sob o prisma da função borromeana de enodamento, diante da perspectiva de uma parte ininterpretável do sintoma. Assim, Jésus propõe uma via de tratamento no âmbito do último ensino de Lacan na vertente do analista sinthoma ou de um analista que se estrutura no ponto em que o sintoma se mostra refratário à complementação do saber.
O analista sinthoma vai contra o inconsciente que se apoia no Nome-do-Pai, se valendo do furo para proporcionar ajuda, embasando no próprio ato de prescindir do Nome-do-Pai, o que ele nomeia de “ajuda contra”, propondo um acréscimo: “ir além do pai, sob a condição de saber se servir do furo” (p.13). A toxicomania concebida no horizonte da psicose ordinária trata o sintoma que advém da foraclusão e o analista é convocado a estar no lugar do sintoma, fazer-se sinthoma. É o que permite a “entrada do analista sem despertar o gozo do Outro intrusivo, mantendo-se à distância das significações devastadoras e como um objeto que se acolhe” (p.13).
Longe de propor uma solução fácil, apoiada na referência fálica, a clínica com o toxicômano tem muito a nos ensinar do que é o tratamento psicanalítico na atualidade. O invólucro do sintoma dos nossos tempos traz um desafio diante do qual não devemos recuar. O livro de Jésus Santiago nos serve de instrumento à pesquisa no campo não só das toxicomanias, mas na clínica da atualidade.