Cidadania: Passaporte para liberdade
“Os loucos são vítimas individuais por excelência da ditadura social; em nome dessa individualidade intrínseca ao homem, exigimos que sejam soltos esses encarcerados da sensibilidade, pois não está ao alcance das leis prender todos os homens que pensam e agem”.
Pensar o conceito de saúde mental, em conexão com outras áreas que se ocupam do mesmo objeto, exige um esforço de reflexão muito grande para poder extrair das questões fundamentais os pontos onde as ações se integram, mas a praxis na maioria das vezes diverge.
Trata-se de inquirir a partir da psicanálise em extensão, como essa ação pode contribuir, em articulação com outras áreas, nas decisões que definem de perto os direitos que fazem de um homem um cidadão.
Um sobrevôo sobre a questão da cidadania, entendida como processo de desenvolvimento dos direitos do homem, no interior das sociedades capitalistas, pode facilitar a apreensão desse conceito que já existia desde a idade média mas só se ampliou e se estendeu ao conjunto da população, nessa etapa da história, no centro das lutas pelos direitos civis, políticos e sociais. Em síntese, Cidadania significa qualidade ou estado do Cidadão, isto é, o indivíduo no gozo dos direitos civis, sociais e políticos.
Os direitos civis, consuetudinariamente são confundidos com a própria cidadania, mas na verdade são apenas os direitos que garantem a liberdade individual: da palavra, do pensamento, do deslocamento, da justiça, da liberdade religiosa, da venda da força de trabalho. Já os direitos políticos, são aqueles que concedem aos cidadãos a possibilidade de escolha dos seus governantes, e, finalmente, os direitos sociais, são os que defendem para todos o acesso a um patamar mínimo de consumo dos bens basilares produzidos no interior da sociedade: educação, saúde, previdência, habitação, saneamento.
Na história do Brasil, a evolução desses direitos pode ser analisada em três grandes momentos: o período Imperial, onde a cidadania foi abordada de maneira restrita, do ponto de vista dos três direitos: os civis, que excluíam os escravos do grupo de cidadãos, e os reconheciam apenas como instrumento de trabalho. Os sociais, voltados somente aos servidores públicos militares, e os políticos, assegurados exclusivamente aos grandes proprietários dos meios de produção. Dentro dessa concepção foi elaborada a Constituição de 1824.
Em um período seguinte, o da proclamação da Primeira República, com a promulgação da Constituição de 1891 se registram transformações em relação aos direitos civis, com a abolição do trabalho escravo, aos direitos políticos, com a ampliação do voto para todos, exceto analfabetos, mulheres e soldados, e aos direitos sociais, com o início da proteção aos servidores públicos civis.
E para ultimar, temos a Segunda República, a partir da revolução de 30, onde a concepção de cidadania fica relacionada ao exercício de uma profissão regulamentada no mercado de trabalho. Assim aparece o conceito de Cidadão Profissional, única categoria beneficiada pela legislação trabalhista: legislação previdenciária e sindical. A carteira profissional chega a ser denominada de “certidão de nascimento cívico”.
A elaboração de todas as leis e as suas alterações, constam da Constituição que é a lei magna de um País, a mais eficaz, a que impede outras leis que não estejam em acordo com os seus princípios. Os direitos de uma Constituição são imediatamente exigíveis, não dependem da lei , mas apesar disso, existem leis que são feitas com o intuito de impedir o gozo desses direitos.
A Constituição do Brasil não fala em saúde e vida como um direito dos brasileiros, o que compromete os direitos do cidadão, desobriga o empregador de zelar pela vida do trabalhador, e contribui para que o Brasil lidere em termos mundiais os índices de acidentes de trabalho.
Do mesmo modo, não assegura uma jornada máxima de trabalho para certos tipos de atividades nocivas à saúde mental, como aquelas que desenvolvem metalúrgicos que lidam com altos fornos, e cujos resultados efetivos é de um grande número de internações psiquiátricas por mês.
Até a década de 1950, essa é a posição do País no que diz respeito a concepção do direito para o cidadão brasileiro. A partir desse período, a busca de outras perspectivas nas relações internacionais, desencadeia saltos que leva a um processo em espiral do progresso humano.
Nas décadas de 70 e 80, registra-se a ampliação dos direitos sociais para os trabalhadores rurais, e dos direitos políticos para os analfabetos, permanecendo excluídos os soldados, por motivos de segurança nacional, e os doentes mentais, denominados de “alienados”, que além dos direitos políticos não exerciam também os direitos civis. Nesse caso ainda estamos diante de um modelo controlado pelo estado, onde os direitos do cidadão são restritos e a cidadania recebe a denominação de Cidadania Regulada.
De um modo geral, a questão da Saúde Pública, só passa a ser considerada como um problema moral e político de maior importância para o Estado brasileiro no fim dos anos 80 e nos anos 90, quando as novas relações internacionais e as exigências dos mercados globais fazem emergir o caótico da situação interna e a premência de uma mudança generalizada. É justamente nesse período, com a Constituição de 88, denominada por Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”, que a questão da cidadania ganha status mais elevado e inovador.
Saúde mental: Concepção na história do Brasil
Após aproximadamente 30 anos da promulgação da primeira Constituição do Brasil, sob a influência da psiquiatria francesa, em 1852, se elabora a primeira legislação que trata da questão do doente mental. Inicia-se com isso uma política de tutela e segregação cuja proteção estava assegurada sob a concepção de que o doente mental poderia representar dificuldades para a vida em sociedade. Com esse fim, nesse mesmo ano, se constrói a primeira instituição pública para doentes mentais, o Hospital D. Pedro II, no Rio de Janeiro.
Durante a primeira república o estado já intervinha bastante nas questões relativas ao doente mental, com a criação do Serviço de Assistência Médica aos Alienados, e a legislação do Código Civil de 1916 e da Lei de 1919, cujos artigos previam o total controle desse grupo denominado “loucos de todo gênero”, e prejudiciais ao conjunto da população.
A partir de 1930, com a concepção do direito para o cidadão profissional, a situação para o doente mental se complica, pois lhe é retirado o direito ao trabalho, o seu direito de encontrar novas formas de vida, impedindo-o de exercer na sociedade a sua condição de cidadão. Para contrarrestar os efeitos nocivos dessa nova concepção, em 1934 se cria uma Lei que imputa ao Estado, assistência e proteção à pessoa e aos bens do psicopata , toxicômanos e alcoólatras e amplia a ação federal com a criação da Divisão de Assistência ao Doente Mental.
É importante assinalar, que hoje no Brasil, em termos de legislação para o doente mental, emanam do Código Civil as determinações que definem quem é totalmente incapaz diante da sociedade e cabe a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, demarcar a incapacidade para o trabalho.
Do ponto de vista internacional, a ONU aprovou no início da segunda metade da década de 60, dois documentos relacionados com os pactos dos direitos humanos. O direito a saúde e a saúde mental aparece no documento que trata dos aspectos econômicos, sociais e culturais, sob a recomendação de que haja uma retribuição justa pelo trabalho, sua organização em condições socialmente dignificantes, e a sua realização em condições de higiene e segurança.
Além disso, as recomendações da Organização Mundial de Saúde, são para garantir trabalho e tratamento a alguns subgrupos de doentes mentais, especialmente os alcoólatras.
No Brasil, é só na década de 1970 que se vai registrar uma mudança digna de nota nessa questão de assistência ao doente mental: a primeira, é a inclusão do setor privado para o atendimento ao doente mental, e a forma majoritária como os serviços contratados passam a ocorrer com este setor, que já vê nesse grupo social um importante instrumento de lucro, e a segunda, é a reforma psiquiátrica brasileira a partir dos movimentos dos trabalhadores de saúde mental.
A partir da década de 1980, com a implantação do Programa de Saúde Mental em São Paulo, se imprime uma nova concepção às instituições, exigindo delas uma visão transdisciplinar e com isto a absorção do psicanalista, reconhecido desde já como de atuação relevante. Como supervisores de equipe, os psicanalistas podem colocar nessas instituições as questões de sua prática, e o seu próprio discurso em favor dos que dele necessitem.
O avanço do discurso da ciência e o consequente aparecimento de um novo fenômeno mundial, para uns, curto-circuito da civilização, e para outros, sintoma da subjetividade contemporânea, desponta em todos os setores da sociedade e exige reflexão e participação transdisciplinares.
Diante desse quadro, os psicanalistas não podem mais se omitir dos debates da coletividade sob o risco de deixar-se levar pela lógica dominante, o que não condiz em nada com os propósitos efetivos da psicanálise e daqueles que nela acreditam.
A Psicanálise na saúde mental
Vistas como prática social, a Saúde Mental, a Psiquiatria e a Psicanálise, se vêm confrontadas com os sintomas da subjetividade contemporânea, participando em posições distintas das reflexões sobre o conceito de comunidade.
A Saúde Mental como programa normativo, tem o seu setor condicionado a nova ordem mundial. A Psiquiatria, que lhe é mais próxima, atua regulada pelos manuais de doenças e padrões de normalidade compostos por diagnósticos descritivos [2] , nascidos da psiquiatria universitária norte-americana, conhecida como Escola de St. Louis. Ela segue o “Modelo da clínica da medicação”, que se constitui em uma resposta padrão à administração de uma substância química específica.
Como se pode verificar, a Psicanálise não emprega os mesmos métodos técnicos da Psiquiatria, mas Freud em 1916 já falava da inexistência de contradição entre as duas.
Alem disso, a psicanálise na sua concepção, prevê a articulação com projetos de tratamento da área médica e da psiquiatria, e a conexão com ciências afins, visando a prática de sua teoria. Ela se endereça aos doentes mentais onde tem um sujeito de pleno direito, um cidadão, uma questão de tanta relevância que na Itália, a garantia plena do direito de cidadania ao doente mental está enunciada com o propósito de que o tratamento não seja o seu passaporte de exclusão social.
A psicanálise tem como campo de ação o inconsciente, que não é mental e que tem a estrutura de linguagem. Sabemos desde Freud que a questão do homem transcende os
limites do mental, concebido por ele como “um órgão necessário à adequação do psiquê ao mundo: ver, pensar, lembrar, é o que permite aos animais viverem no seu meio”.
No caso do homem, a linguagem que o espera em uma anterioridade lógica, perturba fundamentalmente a adequação a esse meio que nada tem de natural, pois o homem já nasce repleto de direitos e deveres, e o seu espírito, segundo Freud, é perturbado pelo narcisismo que constitui um obstáculo fundamental à essa adequação.
A saúde mental de um homem é definida segundo um critério operatório e não ideal. Refere-se a noção crucial de responsabilidade sobre o seu ato. Se ele é responsável e passível de punição, ou se irresponsável e deve ser cuidado. No segundo caso, significa dizer que não é mais sujeito de pleno direito e que os outros adquirem o direito de decidir por ele.
A luz da psicanálise, Lacan define “a doença mental como o inconsciente que não se desperta”. Miller já o faz do ponto de vista operatório, relacionando-a com as ações que se manifestam pela “perturbação da ordem pública, podendo avançar até a suposta ordem privada da família”. O senso comum o leva a identificar também o doente mental como alguém em que não se poderia confiar uma criança para atravessar a rua, ou aquele que se apresenta com um comportamento obstinado de permanecer em casa, ou em seus aposentos, por tempo indeterminado.
A questão da responsabilidade ou irresponsabilidade não é suficiente para estabelecer equivalência entre saúde mental e ordem pública. A saúde mental faz parte do conjunto da ordem pública. Existem perturbações que são de incumbência da saúde mental e outras que são do âmbito da polícia e da justiça. De acordo com essas determinações um indivíduo é colocado de um lado ou do outro. A saúde mental objetiva reintegrar o indivíduo ao seio da comunidade social.
Lacan no seu texto sobre “ Criminologia e saúde mental” considera o conceito de responsabilidade essencial na distribuição da saúde mental, ordem pública e psicanálise. Na medida em que a doença mental pode conduzir à suspensão o sujeito do direito, isso passa a fazer questão para a psicanálise, que a princípio está posta para todos.
São os trabalhadores da saúde mental quem decidem se alguém pode circular entre outros na rua, no seu país, entre países. Se deve permanecer em casa ou se deve ser transferido para um hospital psiquiátrico.
A saúde mental é pensada e trabalhada através de práticas que visam a harmonia do mental e do psíquico. Por esta razão, a própria estrutura da psicanálise, não lhe permite o enquadramento na categoria da saúde mental.
O inconsciente não é mental, mas tem a eficácia de colocá-lo em desordem. É por isso que o psicanalista deve articular-se com o trabalhador da saúde mental, pois só ele pode dar uma orientação sobre o real do gozo contemporâneo.
As formas atuais do mal estar incidem na saúde mental, na infância, assim como na medicina, na psiquiatria, e na psicanálise. Segregação, exclusão, racismo, estatuto da cidadania do louco, fracasso escolar, consumo desenfreado de objetos, de drogas, acidentes de trabalho, desemprego, e tudo que a universalização da ciência for capaz de gerar, leva a um excesso de gozo, determinando as bases de um novo laço social, exigente em reflexões no âmbito da já falada transdisciplinariedade.
Na posição de cidadão, o psicanalista de hoje se confronta, se debate, se vê premido a intervir na comunidade para trabalhar esses sintomas que brotam, florescem e como uma avalanche irrompem no meio social descaracterizando, negando o particular de um sujeito em prol de uma atitude universalizante.
O caminho da experiência psicanalítica
Freud no seu artigo “Uma dificuldade no Caminho da Psicanálise” conceitua o sintoma como a expressão dos instintos sexuais reprimidos, que se rebelaram por caminhos desconhecidos e que se apresentam ao sujeito como uma satisfação substitutiva, um sofrimento que ele experimenta, e que Lacan denomina, o “gozo do sintoma” que o conduz ao sentimento de culpa denominado por Freud doença da responsabilidade, patologia essencial do sujeito.
Freud procura demonstrar com a criação do supereu , base do mal estar na civilização, que o sujeito do inconsciente é um acusado sempre. Acrescenta ainda, que este sentimento de culpa que o afeta, se origina do mito da morte do pai, morte primordial que dá origem a lei, e que é a condição prévia da prática analítica, ou seja, é preciso constatar ou produzir esse sentimento nas entrevista preliminares.
Eric Laurent mais tarde, vai tratar esse tema da repressão sexual como uma verdade libidinal enunciada pela psicanálise dizendo que o “impasse sexual continuará a gerar fantasmas que terão a chance de serem inéditos, mas não produzirão harmonia”.
Não existe com efeito a priori, nenhuma contra indicação para o sujeito que queira se submeter a experiência analítica. Para implicar a transferência, motor da psicanálise, é preciso que o sujeito tenha um sintoma analítico, fale de algo que não lhe vai bem, do sofrimento e desprazer no gozo de um sintoma que pertence a dimensão da contingência, particular de cada um, rechaçado, inaceitável e inconsciente.
A condição sine qua non, para a realização de uma experiência analítica, é a demanda que um sujeito apresenta ao analista, e a verificação da autenticidade do desejo dessa demanda.
Para Miller o encontro com o analista no conjunto faz bem. Possibilita avaliar as condições de vida desidealizada do Outro, afrouxando as exigências ideais perseguidas pelo sujeito, levando em conta o desejo e reintroduzindo o sujeito na dialética para encontrar pontos de detenção que o conduza a indicação de onde o desejo do Outro se coloca como incógnita.
E assim, de acordo com a estrutura de cada sujeito pode-se perquirir algo desse gozo durante a experiência analítica. No caso da neurose, é preciso que o sujeito tire um sentido do gozo, dessa satisfação transformada em sofrimento e que Lacan denomina “envoltura formal do sintoma”.
Já no caso da paranóia, onde o sujeito rechaça o Outro da Lei, que o submete com sua vontade caprichosa e sua insensatez, trata-se de interpretar o sentido do seu gozo no conteúdo do delírio.
Na esquizofrenia, o significante do gozo foracluído retorna ao corpo, e o encarna como um gozo estranho, tornando-se preciso localizar o lugar que o Outro ocupa nesse corpo, provocando esse gozo desenfreado.
E no caso do autismo, que não é tomado pela psicanálise como estrutura, onde o sujeito parece manter um rechaço radical da dimensão do Outro, do seu código, da linguagem, a proposta é de perseguir na experiência, o rompimento do estado de ensimesmamento, respeitando a “decisão insondável do ser” e apostando na passagem do autismo para a neurose ou psicose, com a estabilização e efetivação da relação com o Outro.
É importante ressaltar a singularidade de cada estrutura, e dentro dela a especificidade de cada sujeito, para sancionar a função do psicanalista de reintroduzir a dimensão do sujeito no um a um, em particular, e introduzir essa mesma dimensão no marco social e institucional para assegurar-lhe as condições da abordagem clínica.
Nessas condições, o objeto psicanalista encontra-se disponível no mercado. Nem sempre a sua atuação se pauta naquilo que foi concebido como psicanálise pura. Na maioria das vezes esta concepção está voltada à formação do psicanalista enquanto a sua prática, se distancia cada vez mais das condições de sua formação, provocando a disjunção psicanálise e psicanalista.
De qualquer modo é preciso que o psicanalista saiba se colocar como objeto para nada desejar a priori com relação ao outro, ao sujeito que se submete a experiência analítica. O analista ocupa um estádio intermediário, um espaço de rápida transição, de puro semblante, um lugar que recolhe a contingência, onde a necessidade se abre e é por excelência o lugar do possível. Mesmo que o sujeito nada faça, uma alteração sempre pode acontecer.
Neste final de século se discute sem muita clareza ética, a manutenção obstinada da psicanálise a serviço da psicanálise pura. Sabe-se contudo que Lacan fundou a sua Escola para restituir de forma categórica a verdade freudiana, denunciar os desvios e fortalecer os compromissos da psicanálise.
No meu entender, Freud prescrevia para o psicanalista a obrigação de passar pela experiência analítica, realizando a psicanálise didática, para garantir a manutenção dessa verdade. Esta prática marca a diferença entre a psicanálise e a formação em medicina. Freud todo o tempo procura assegurar o direito do exercício da psicanálise fora da esfera da medicina. No final ele recusa entregar o futuro da psicanálise à profissão médica. A psicanálise escapa da pertinência estritamente terapéutica e por isso Lacan em 1950 retira a palavra tratamento da prática psicanalítica e a substitui pelo termo experiência.
No caminho da psicanálise, o que tem pesado bastante é o confronto com a contínua mudança nos meios de comunicação de massa, que altera valores e tradição da sociedade, gera desequilíbrios e instabilidades nos centros de decisão, e exige do sujeito uma nova posição sexual no seio da sociedade, criando um outro modo de expressar as grandes neuroses, onde “as obsessões entram em rivalidade com a epidemia histérica”.
O imperativo da novidade, apoiado e reforçado pela mídia, provoca repercussões complexas na psicanálise, que se vê fora desse âmbito de interesse, com as suas produções teóricas e seus resultados práticos. Laurent diz que a mídia industrializa a histeria, e que cabe a psicanálise, ela mesma, indicar o seu endereço para as epidemias histéricas de nosso tempo.
No debate com as neurociências, como diz Germán Garcia, a psicanálise deve por o acento na dimensão do sujeito e do parasitismo da linguagem que o preexiste. Na conferência de Genebra, Lacan diz: “é sempre com a ajuda das palavras que o homem pensa, e é no encontro dessas palavras com o seu corpo que alguma coisa se esboça. E Laurent acrescenta: é nos encontros contingentes do corpo e seu gozo com o parasita da linguagem, que se consegue fazer as invenções sintomáticas.
Em síntese, a psicanálise trata da dimensão do sujeito, do seu desejo, da sua posição ética e subjetiva no mundo. Ela deve se manter nesse caminho exercendo a sua preciosa e brava experiência ao lado aos trabalhadores da saúde mental, para marcar com a sua prática e a sua ética não universalista, a relevância da psicanálise e galgar mais e mais espaços visando o resgate das diferenças que cada sujeito apresenta na construção do particular do seu sintoma.
Salvador, 15 de Setembro de 1999
Vera Lúcia Veiga Santana
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