Juntos chamamos os três toques que anunciam o início do espetáculo, e nas nossas rotinas de ensaio, o início das cenas de improviso. Os atores se concentram e começam a interpretar a cena que combinaram minutos antes. Brincam de interpretar, de transformar a imaginação em ato e o delírio em cena. Os Insênicos é uma companhia de Teatro formada atualmente por quatorze pessoas portadoras de transtornos mentais e dirigida por mim, há cerca de sete anos. Nascemos juntos, eles como atores e eu como diretora. Aprendemos juntos um fazer teatral próprio da loucura que nos cabe.
Conheci as histórias dos Insênicos através do teatro. Ao longo desses anos nunca fiz uma anamnese com qualquer participante. Os diagnósticos se revelaram nas improvisações, nas rodas de conversa, nos processos de encenação. Toda memória estava à disposição da cena, aberta ao diálogo, assim como à sua ressignificação. Vimos a transformação e surgimento desses atores. A consciência corporal e espacial que desenvolveram, a comunicação, o entendimento sobre os aspectos da encenação, e principalmente a apropriação que fizeram da experiência teatral para suas vidas.
Nesse mesmo processo nasce também o meu fazer artístico enquanto diretora teatral. A construção dos espetáculos do grupo tem como base processos colaborativos de criação. Cabe a mim, no entanto orquestrar as idéias, os desejos e os significados para a produção de um espetáculo representativo de cada processo. Um pouco de encenadora, um pouco psicóloga, tentando encontrar um estética representativa do grupo. O teatro me aproximou da loucura, e a loucura deu sentido ao meu teatro,
Descobrimos ainda na sala de ensaio, o poder da arte, a possibilidade de através dela construir identidade, de tecer relações de afetos e principalmente de potencializar a vida. No palco, esses sujeitos ganham voz e visibilidade e se afirmam na vida enquanto artistas políticos. Eu por outro lado, me alimento das suas inquietudes para construir poesia em cena, para mostrar a força desses atores e fazê-los brilhar aos próprios olhos.