No instante do Acontecimento de corpo que Lacan (2003) nomeia Sinthoma, o corpo biológico toma vida humana: há gozo. Esse ponto singular de cada um, que Miller (2009) nomeia “encarnação”, é o instante no qual o significante Uniano se incorpora a esse corpo biológico vivo: muta em gozo.
Lacan (2012) abre o capítulo do Uniano e afirma que o que está em jogo é “O que só existe ao não ser”. Essa existência de um significante que não é dá lugar a um acontecimento que inaugura um campo de puro gozo. O significante Uniano não é da ordem do ser, mas de um puro existir. É apenas uma marca presente como falta, como 0 (zero). Assinala o lugar marcado como puro existir e também o lugar do objeto pulsional. Trata-se de um momento logicamente anterior ao gozo de alíngua que é o gozo do Um sozinho. Esta marca primeira, original, Ur, que não é significante nem número fica para sempre foracluída. De esse modo, ex-siste.
Miller (2013) lembra o “teorema da equivalência generalizada entre o gozo e o significante”. O escreve J-S Gozo, equivalente a Significante. Mas também o Sinthoma capta o gozo fora do significante que Miller escreve: J #J-S. A clínica do Sinthoma, então, é determinada pelo real sem significante e orientada pelo fixo e repetido do gozo que é o real na clínica. Fixierung é um nome que Freud dá ao Sinthoma.
Nesta perspectiva, o sujeito do discurso analítico delira em suas associações. Em cada S1, há algo do significante Uniano. Lacan (2012) o formula ao dizer Y’l y a de l’un. O analista deve ler essa raiz do Sinthoma para orientar a transferência ao real. Sua manobra consiste em recolocar como enigma um gozo que não quer dizer nada a ninguém. Somente assim convocará o S2. O analista, desta forma, se define como elemento sintomático.
Como cada falasser resolve a opacidade deste gozo sem significante?
Pensar no delírio generalizado implica partir do UM. O Outro não existe. O S2 abre, então, um discurso sempre delirante, pois fala “do que não há”, da inexistência da relação sexual, de uma significante pura existência; um sem-sentido original.
As consequências são cruciais. Trata-se de um giro de 180 graus. O sentido do tratamento não é mais o sentido que vai do Simbólico na direção do Imaginário, mas parte do Sem-sentido que se orienta do Simbólico ao Real. Lacan pode, assim, formular que “todo mundo é louco, ou seja, delirante”. (LACAN, 2010)
A foraclusão generalizada não é apenas a falta de nome a esse gozo, mas também é um rechaço no real. “Ausstosung”, diz Freud no Projeto.Se neuroses e psicoses padecem de delírio, o determinante será o modo de lidar com o gozo. A significação fálica e o gozo fantasmático são o modo das neuroses. Nas psicoses, a irrupção de um pai. Mas, sempre haverá um gozo indizível. O Sinthoma enoda borromeanamente Real, Simbólico e Imaginário. Isto não acontece nas psicoses.
“Chamo delírio uma montagem de linguagem construída sobre um vazio”. É claro que não podemos equivaler os delírios psicóticos aos neuróticos. A alucinação psicótica tem o caráter de certeza, o sujeito é passivo, sofre a alucinação. Já o sujeito neurótico é ativo, atua, sofre a dúvida. A interpretação é sua (MILLER, 2005).
Nos Sinthomas Contemporâneos, prevalece a metonímia ao corpo, resultado e causa da precariedade simbólica.