Nos dias 01 e 02 de julho deste ano, aconteceu em Bruxelas, Bélgica, o 4° Congresso Europeu de Psicanálise – Pipol 8, e teve como título : « La clinique hors-norme ». Este congresso, reunindo psicanalistas de diversos países europeus, visou interrogar os efeitos do discurso do mestre predominante na atualidade, o qual se caracteriza pelo controle social, pela normatização e pela lógica da prevenção, e o qual questiona até mesmo a eficácia do tratamento psicanalítico com os autistas. Assim, a partir de uma crítica aos avanços tecnológicos e científicos que visam excluir a singularidade de cada sujeito em prol de um novo ideal do homem moderno, um homem normal ou « sem qualidades »[1], a psicanálise se apresenta na contra-corrente deste movimento. Os psicanalistas lacanianos, nos diz Patricia Bosquin-Caroz, diretora do Pipol, não abordam o mal estar subjetivo na contemporaneidade como um distúrbio mental que pode ser diagnosticado segundo os manuais de psiquiatria, mas sim pelo sintoma, ou melhor pelo sinthome do ser falante. Em outras palavras, a clínica psicanalítica, se interessa pelo inclassificável, pelo incomparável de cada um, e assim, ela promove a invenção de soluções fora da norma. Partindo desta orientação clínica, no primeiro dia de congresso, 140 trabalhos foram apresentados em salas simultâneas e todos em torno da prática analítica, abordando temas tais como: a normatização da saúde mental, a psicanálise e as normas institucionais e sociais, os tratamentos singulares com autistas e adolescentes psicóticos, a psicanálise aplicada a diversos contextos médico-psicosociais, dentre outros.
O segundo dia de Congresso foi marcado por um tom mais artístico e político, sem no entanto deixar de abordar a problemática clínica, e aconteceu sob a forma de uma plenária. Começamos o dia com trabalhos em torno da temática « Psicanálise e normas ». Em seguida, conhecemos o trabalho do artista Vincent Glowinski, cujas pinturas escandalosas, abordando de forma crua questões como a morte e a sexualidade, despertam a curiosidade da mídia e de todos aqueles que se deparam com sua arte. Conhecido pelo seu pseudônimo Bonom, este street artist, que possuía o hábito de pintar à noite, de forma clandestina, escalando os altos paredões da capital belga, longe do olhar de todos, se fez uma lenda urbana. Embora ele tenha saído do seu anonimato, Glowinski/Bonom continua a nos surpreender com seus espetáculos inéditos de improvisação corporal, utilizando seu corpo como um pincel, criando quadros dançantes, projetados num telão. Questionando sobre a sua expressão artística, Glowinski nos diz que ela surge do que lhe é impossível de nomear. No final da manhã, Marie-Helène Brousse e Éric Laurent presidiram uma série de intervenções sobre o discurso normativo na contemporaneidade onde as tecno-ciências manipulam, tentam reduzir os seres falantes à seus organismos, ao real do corpo, excluindo toda a possibilidade de divisão subjetiva. Segundo Brousse, face ao declínio do Nome-do-Pai, o que retorna do real é o discurso social, são as normas sociais, a curva de Gauss e isto vai ao encontro com a clínica das psicoses ordinárias.
À tarde, pudemos escutar o depoimento do trabalho excepcional realizado pelo médico italiano Pietro Bartolo. Destinado a ser pescador como todos os outros homens da sua região, ele mudou o seu destino e o de milhares de refugiados que chegam em embarcações precárias e em condições subumanas na pequena ilha italiana de Lampadusa. Dr. Bartolo tornou-se o médico que mais fez autópsias no mundo. Mas ele não se vangloria deste título, pois para ele, as estatísticas não tem valor, o que conta é o Um a Um, pois estamos falando de seres humanos. Assim, foi a partir de suas experiências neste encontro singular com cada um dos seus pacientes que Pietro Bartolo nos contou num discurso emocionante, as dificuldades, as vitórias e as superações do exercício cotidiano de sua profissão.
Na continuidade, Jacques-Alain Miller, em se apoiando no atual contexto político na França e na Europa, animou um fórum sobre « O crescimento do populismo na Europa : quais repostas dos politicos, dos intelectuais e dos psicanalistas ? ». Como é da atualidade, desde as últimas eleições presidenciais francesas, muitos psicanalistas do Campo Freudiano têm se posicionado ativamente face à conjectura política européia, orientados pela alerta de Miller de quê « o real não se apresenta mais sob a forma do impossível e sim pela forma da contingência ». Até então, os psicanalistas se implicavam unicamente em causas cujas políticas sanitárias colocavam em perigo nossa prática clínica, mas o atual engajamento político de alguns analistas, orientados pelo grupo criado por Miller, La Movida Zadig (Zero Abjection Democratic International Group), marca o início de uma nova era na história da psicanálise.
Para finalizar, espero através destes ecos do Pipol 8, ter despertado o questionamento sobre o « fora das normas » para além da esfera da clínica psicanalítica visando contribuir para que novas discussões surjam até as próximas Jornadas da EBP – Seção Bahia, que terá como título : Loucuras, crônicas.
Nayahra Reis