Tânia Abreu – EBP/AMP
É para você, que nos acompanha desde o número Um, que preparamos com todo esmero este Boletim n.3!
Dois significantes tão a tônica dos trabalhos selecionados para compô-lo: angústia e invenção.
De Peças Soltas, é feita a arte de viver e de dar tratamento a angústia como podemos ver nos trabalhos de Reinaldo Eckenberger, aqui apresentado por sua obra, exposta em vídeo editado por Marcelo Veras que, em breve comentário, salienta que encontrou “método e obstinação” no acúmulo de peças quebradas e recompostas reinantes em suas obras.
Loucura do furor sanandi, adições extraordinárias e psicoses ordinárias
Pablo Sauce
A psicanalise se instalou, em cada país, como derivação das homologações sociais do desejo de curar, afirma Eric Laurent (1). Refere-se, entre outras coisas, aos modos como cada um se autoriza para o exercício das práticas terapêuticas, especialmente as “psi”: através de certificados académicos, cursos, cumplicidade entre pares, etc. Diferente de outros lugares, como Argentina, em Bahia –Brasil- a psicanálise não se instalou através das faculdades de Psicologia, nem de Medicina; no entanto, atualmente a primeira, junto com os Serviços de Saúde Mental, como os Caps, são um âmbito indispensável para a transmissão da psicanálise; a pesar do evidente avanço das TCC com sua ideologia terapêutica.
Psicose Ordinária: Estrutura e Nó.
Paulo Dantas
A elaboração teórica sobre a psicose ordinária edifica-se a partir da clínica nodal apoiando-se em conceitos como forclusão generalizada, furo da estrutura, lógica do não todo, gozo uno, paradigma da não relação, sinthoma como grampeamento R-S-I, enfim termos relativos ao ensino do último Lacan porém com a condição de não eclipsar conceitos importantes da clínica estrutural tão fundamentais para a elucidação do mecanismo etiopatogênico da psicose.
Nesta perspectiva a psicose ordinária é uma psicose estrutural, com semblante fenomenológico de normalidade, deduzida por signos discretos de forclusão.
O psicótico ordinário ilustra bem o mecanismo pelo qual o sujeito coloca o objeto a no lugar do semblante como modo de tratamento de um gozo radical, fora da lei.
“Usos do corpo e sintomas”
Luiz Mena
Continuamos no Núcleo de Psicose com a leitura do livro “A psicose ordinária – a convenção de Antibes”. Trazemos aqui alguns fragmentos do capítulo “Usos do corpo e sintomas”, cujo ponto central relaciona o uso do corpo aos sintomas e às estruturas. Nesse sentido, o texto traz uma distinção entre conversão histérica e fenômeno psicossomático (que pode ocorrer na neurose ou na psicose), apresentando diferentes modos do uso do corpo para manter amarrados os registros real, simbólico e imaginário.
Se é necessário um corpo para apresentar um sintoma de conversão, discute-se neste capítulo que uma “neo-conversão” pode permitir a um sujeito se fazer um corpo a partir de seu sintoma.
Psicose ordinária, questões clínicas de casos não tão raros
Luiza Sarno
A questão da psicose ordinária se delineia a partir de 1997 na conversação de Arcachon com a apresentação do trabalho “Um caso nem tão raro” de Jean-Pierre Deffieux. Neste momento, surge o debate sobre os casos que não se inserem numa concepção binária da clínica que reduz os casos a psicose ou neurose. Na Convenção de Antibes (1998), Miller abre um novo campo de debate e investigação: as psicoses ordinárias, apresentando o termo não como conceito, mas como tema, permitindo orientações diversas. O livro “Loucuras discretas: um seminário sobre as chamadas psicoses ordinárias” apresenta a contribuição de Graciela Brodsky, no programa de ensino do CLIN-a, expondo diferentes formulações acerca do tema e, principalmente, suas próprias concepções e interrogações.
A cultura do narcisismo e a psicose ordinária
Nayahra Reis
Com o declínio do Nome-do-Pai e a queda dos ideais, encontramos cada vez menos sujeitos regulados no seu modo de gozo pela lógica edipiana – caracterizada pela marca da interdição e pelo recalque das pulsões sexuais -, e mais sujeitos regulados pelo super eu lacaniano Goze ! e guiados pelo discurso do mestre hipermoderno, o qual corresponde à “ uma combinação do discurso científico e do discurso capitalista”. Os efeitos clínicos da transformação dos discursos sociais são variáveis, mas Marie-Hélène Brousse destaca um em particular: a ascensão do Eu Ideal em detrimento do Ideal do Eu. Isto se verifica no sucesso das redes sociais, que num movimento pulsional eleva a imagem ao estatuto de objeto a, e incitam a um empuxo-ao-narcisismo, resultando no atual fenômeno social do “narcisismo de massa”. Esta elevação do Eu Ideal indica que estamos diante de um narcisismo que vai além da imagem especular. Aqui, trata-se sobretudo do narcisismo do Um-corpo, do ego, do amor próprio, da adoração do corpo próprio. Dito isto, qual articulação podemos fazer entre a cultura do narcisismo e a psicose ordinária ?
Reinaldo Eckenberger
Marcelo Veras
A obra de Reinaldo Eckenberger é sem dúvidas uma das mais singulares no universo artístico. Falecido esse mês, ele deixa uma marca inconfundível que fez sucesso em diversos cantos do mundo. Eu o conhecia há mais de vinte anos, por trás do aparente acúmulo de peças quebradas e recompostas, havia método e obstinação. Reinaldo saía às ruas buscando todo o tipo de quinquilharias para compor seus seres exóticos, frutos de uma imaginação carregada de recuerdos infantis. Seu universo, dizia ele, era carregado de mães castradoras e aterrorizantes. Suas bonecas de pano traziam as cores e as texturas de seus próprios temores infantis. Sua arte era um tratamento eficaz para a angústia. Inspirado em Duchamps, fez toda uma coleção de pias invertidas povoadas de seres estranhos e carregados de tinturas eróticas, suas Terapias. Tenho em meu consultório uma dessas Terapias, com frequência recebo pessoas que me perguntam o que significa aquela peça bizarra. Costumo dizer, é o inconsciente à céu aberto, uma relação direta com a coisa. Anos mais tarde, ao ler o curso de Miller “Peças avulsas”, descobri que muito do que Miller falava estava presente na obra de Eckenberger. Suas esculturas mostram que o erotismos masculino não visa o outro sexo, mas os objetos fetichizados, despedaçados, incrustrados no corpo do outro. Descrente da unidade corporal montada no espelho, cada peça é uma nova montagem do corpo como aquilo que cai do céu dos ideais. Não é o corpo belo que está em questão, mas o corpo como potência erótica que convoca a todo momento uma invenção.